Sempre que se aventa a possibilidade de se realizar uma reforma política no país e isto tem ocorrido de maneira recorrente nas duas últimas décadas parte dos cidadãos e dos políticos se mobilizam em defesa de suas posturas sobre o voto distrital ou proporcional; a lista aberta ou fechada; a adoção do financiamento público ou não... Ao final, impera o dissenso e tudo continua como está.
Até o fim de maio, imersos em um destes momentos de mobilização, havia a discussão sobre as vantagens e as desvantagens da lista fechada. A adoção da lista fechada, caso implementada, alteraria as regras das disputas para os legislativos municipais, estaduais e federal. Em síntese, os partidos passariam a apresentar para o eleitor uma lista de candidatos cuja ordem seria pré-definida em convenções. O eleitor, então, não votaria nos candidatos, mas na legenda. Quanto mais votos o partido obtivesse, mais legisladores da legenda seriam eleitos, devendo os primeiros da lista a ocuparem as primeiras vagas.
Os que se posicionam contra a adoção da lista fechada argumentam que tal procedimento aumentaria o poder das lideranças partidárias na seleção das candidaturas. Este tem sido o argumento principal dos contrários à mudança. Sem querer fazer inferências a respeito do resultado de tal alteração, gostaria aqui de apresentar alguns dados da literatura internacional a respeito da influência deste aspecto do sistema eleitoral sobre o processo de seleção de candidaturas.
Estudos comparativos a respeito do processo de seleção de candidaturas em diferentes democracias concluem que a adoção do sistema eleitoral proporcional com lista fechada por si só não conduz necessariamente a processos de seleção mais centralizados do que em sistemas majoritários. É verificável que o processo de seleção tende a ser mais descentralizado em alguns países que adotam o sistema majoritário como Inglaterra, Canadá, Austrália e Estados Unidos do que em outros países que adotam o sistema proporcional de lista fechada como França, Itália e Holanda. Mas, verifica-se que o contrário também acontece. Ou seja, há países com sistema eleitoral majoritário onde permanece uma forte concentração de poder de decisão no momento da seleção de suas candidaturas, caso de Índia e Nova Zelândia, que superam em termos de concentração de poder na elite partidária no processo de recrutamento países que adotam o sistema proporcional com lista fechada, como Bélgica, Noruega, Finlândia e Áustria.
O que se pode observar é que com exceção do que acontece com os partidos mais à esquerda do espectro ideológico, com forte vínculo em sua origem com a massa hoje o processo de seleção de candidaturas já é muito centralizado nas elites partidárias sejam elas locais ou nacionais, a depender dos cargos que estão em disputa. No Brasil, a elite partidária já organiza a eleição, formaliza as candidaturas e a distribuição dos recursos partidários como número de candidatos, espaço no horário gratuito de propaganda eleitoral, recursos para a gasolina e "santinho", entre outros. Ou seja, o sistema eleitoral pode influenciar a centralização da seleção, mas não a determina. Sempre é preciso considerar outros aspectos dos partidos em contextos nacionais específicos.
O que os estudos comparativos apontam é que a seleção de candidatura é um processo muito mais complexo em países de sistema proporcional com lista fechada do que em países de sistema majoritário. Ao contrário do que se prega, as lideranças partidárias buscam estar atentas às demandas do eleitorado. Os selecionadores precisam antecipar os anseios da população para que o partido possa lançar candidatos com apelo entre os eleitores. E o resultado das eleições não difere muito. Homens, brancos, casados, com idade próxima dos 40 anos, com curso superior e com patrimônio de médio para alto são os candidatos a deputado prediletos dos selecionadores e dos eleitores no Brasil e no mundo inteiro.
Para finalizar, o processo de seleção de candidatura tende a ser mais centralizado em diferentes sistemas eleitorais majoritário ou de representação proporcional (lista aberta ou fechada). A organização partidária é um fator mais determinante do que o sistema eleitoral no que se refere ao poder da elite partidária (nacional ou local) no processo de decisão de candidaturas: partidos de massa tendem a ser mais descentralizados, possibilitando uma maior participação de seus membros a despeito de qual seja o sistema em que está circunscrito. Em decorrência de tal abertura, tais partidos tendem a dar mais espaço e a eleger mais as consideradas minorias do que as demais legendas. Mas apesar de tudo, ainda há uma forte tendência por parte de selecionadores e eleitores de escolher o perfil de deputado descrito acima. Ou seja, se o apego é pela descentralização no processo de seleção é mais oportuno focarmos a discussão nas organizações partidárias do que no sistema eleitoral.
Luciana Fernandes Veiga é professora dos programas de Pós-Graduação em Ciência Política e em Sociologia e do Departamento de Ciências Sociais da UFPR.



