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A sedução utilizada com freqüência no discurso político busca convencer os destinatários da palavra através da marginalização do razoável, em favor do prazer proporcionado àquele que escuta ou lê. Juridicamente pode-se afirmar que o discurso de Fernando Lugo, que neste mês tomou posse como presidente do Paraguai, exagera na subjetividade quando afirma como inevitável a revisão do Tratado de Itaipu. Tal afirmação gera esperanças, tornando a grande massa refém de expectativas criadas por um discurso sedutor que propõe melhoras, mas que desconsidera a racionalidade.

Não se pode descartar a possibilidade de revisão do tratado, mas qual será a origem das afirmações apresentadas nos palanques paraguaios? Certamente não está no Direito Internacional, muito menos na Constituição Federal de 1988.

Para o atual governo do Paraguai os mecanismos de distribuição da energia de Itaipu seriam injustos e desiguais. De acordo com o tratado, cada país tem direito a 50% da energia produzida, mas quando um país não consome na totalidade a sua parte, este fica obrigado a vender o excedente para o outro. Devido a esse compromisso, o Paraguai passou a vender todo o seu excedente de energia para o Brasil, vez que o Paraguai consome apenas 7% da sua parte.

Por esse motivo, o governo de Lugo quer um novo tratado que permita que o excedente de energia possa ser vendido a outros países, sem o direito de preferência previsto pelo tratado. Além disso, o preço pago pela energia também faz parte das demandas paraguaias.

Neste último caso, Brasil e Paraguai também estipularam a forma de cálculo dos valores a serem pagos pela energia produzida visando evitar demandas futuras. Tais quais outras questões que envolvem Itaipu, a forma de cálculo do preço pago pela energia também restou definida pelo tratado, não sendo, portanto, uma imposição brasileira sem critérios, mas sim o simples cumprimento do tratado.

No Direito Internacional Público, a cooperação ocupa posição de destaque no que diz respeito à criação de direitos e deveres, não permitindo imposições unilaterais, não podendo haver qualquer renegociação impositiva não prevista pelo tratado, como deixa muito claro o Tratado de Itaipu. Esse fato já seria suficiente para derrubar qualquer argumento apaixonado e retórico acerca da inevitabilidade de uma renegociação, pois um raciocínio jurídico elementar impõe que a renegociação do Tratado de Itaipu não pode ser imposta, mas deve ser alcançada como iniciativa bilateral.

Como se não bastassem os contornos dados ao caso pelo Direito Internacional, ainda temos o Direito brasileiro.

Para que todos os pedidos feitos pelo governo de Lugo fossem atendidos não bastaria um acordo com Lula, já que tais decisões teriam, necessariamente, de passar pelo Congresso e pela compatibilização dos novos compromissos assumidos com a Constituição de 1988, pois todo tratado internacional para que vincule o Brasil, deve ser assinado e ratificado, e para que isso ocorra temos como requisito essencial a aprovação congressual.

No caso do Tratado de Itaipu, fica claro que ele não terá aplicabilidade caso não passe pelo crivo do Congresso. Como define o artigo 49, I, da CF, é competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

O posicionamento majoritário quanto à interpretação do artigo 49, I, é de que todos os tratados devem ser referendados pelo Congresso, o que levaria à conclusão lógica de que este representa um comando constitucional para que o Congresso rejeite qualquer tratado que possa ser gravoso ao patrimônio nacional.

Seguindo esta linha de interpretação, caso fique configurado que as modificações ao tratado de Itaipu possam ser gravosas ao patrimônio nacional, passa a ser obrigação do Congresso rejeitá-las, e, caso isso não aconteça, caberá ao Judiciário determinar se existe ou não violação constitucional.

Será, então, fácil assim renegociar o Tratado de Itaipu? A lógica jurídica diz que não, mas esta nem sempre se entende com a lógica política.

Eduardo Saldanha é advogado internacionalista e professor de Direito e de Relações Internacionais.

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