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O Brasil está assentado sobre uma das maiores reservas de urânio do planeta e permanece paralisado. Enquanto Estados Unidos, China e Rússia disputam o controle do ciclo nuclear para garantir soberania energética e superioridade geopolítica, o governo brasileiro continua travado por um modelo jurídico anacrônico e por um silêncio estratégico que pode custar caro à nação.
Em 2025, o urânio voltou ao centro do tabuleiro global. A China avança com projetos nucleares em ritmo acelerado: são mais de 20 reatores em construção e dezenas de acordos com países da Ásia, África e América Latina.
Pequim investe pesado no domínio vertical: da extração ao combustível enriquecido, passando pela construção e operação de usinas. Trata-se de um plano de Estado, coordenado por estatais como a CNNC e a CGN, sob o controle direto do Partido Comunista Chinês.
Os Estados Unidos, com o retorno de Trump, adotaram postura ainda mais assertiva. O Departamento de Defesa passou a financiar empresas privadas da cadeia nuclear e impôs barreiras à importação de urânio russo.
Washington busca fornecedores estáveis, alinhados ideologicamente e com potencial de expansão – e o Brasil entra nesse radar. Empresas como BWXT, Centrus e ConverDyn estão sendo capitalizadas para garantir que os EUA não fiquem reféns de rivais em um setor tão sensível.
A Rússia, apesar das sanções, ainda domina grande parte do mercado global de enriquecimento e exportação de tecnologia nuclear por meio da Rosatom. Seu modelo é de dependência: oferece crédito, tecnologia e manutenção de reatores, amarrando países a longo prazo. É o que muitos chamam de “colonialismo nuclear do século XXI”. E segue funcionando. E o Brasil?
O país domina a tecnologia de ultracentrifugação, possui a sexta maior reserva de urânio conhecida, tem universidades e centros de excelência em energia nuclear – e, mesmo assim, permanece engessado.
O Artigo 177 da Constituição de 1988 reserva à União o monopólio da exploração do urânio, o que, na prática, impede qualquer parceria produtiva moderna. A Indústria Nuclear Brasileira (INB), vinculada à CNEN, sobrevive com orçamento limitado, baixa capacidade de investimento e sem margem para competir no mercado global.
A consequência é dramática: temos riqueza, temos tecnologia, mas não temos estrutura legal nem visão estratégica para transformar isso em soberania, empregos e desenvolvimento. Enquanto isso, perdemos bilhões de reais em arrecadação, importamos produtos enriquecidos e ficamos fora das cadeias globais de inovação em energia limpa e defesa.
O urânio é muito mais do que energia. É ferramenta de dissuasão militar, vetor de industrialização e moeda de poder geopolítico
Países como Canadá, França e Austrália modernizaram suas legislações, atraíram investimentos e hoje exportam tecnologia, ciência e influência. O Brasil continua exportando promessas não cumpridas.
É hora de acordar. O país precisa atualizar seu marco legal, permitindo parcerias sob regulação estatal forte, como fazem as nações desenvolvidas. Precisa integrar urânio, terras raras e lítio em uma política nacional para minerais estratégicos. Precisa transformar o semiárido em polo de desenvolvimento nuclear, com base em reatores modulares (SMRs), formação técnica, pesquisa científica e segurança jurídica.
O mundo não vai esperar. A guerra na Ucrânia, as tensões no Indo-Pacífico e a pressão por fontes limpas e firmes de energia mostram que o urânio voltou a ser peça-chave do século XXI.
O Brasil tem o que os outros querem. Falta apenas fazer o que outros já fizeram: decidir soberanamente por um futuro grandioso. Se não tomarmos as rédeas, seremos apenas a mina dos outros.
Nélio Fernando dos Reis, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), líder de grupo de pesquisa CNPq sobre inovação e soberania mineral e autor do livro “Terras Raras, Poder e Soberania: o Brasil entre a guerra tecnológica e a independência energética”.



