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Lula trata diplomacia como sindicato e expõe o Brasil ao isolamento

Lula no comício de 1º de Maio de 1999 na cidade de São Paulo. (Foto: Silnei Laise de Andrade/Wikimedia Commons)

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Luiz Inácio Lula da Silva construiu sua trajetória política acreditando no poder da união dos sindicatos do ABC Paulista. Foi ali, entre greves e assembleias, que aprendeu a força da coletividade como instrumento de pressão.

A lógica era simples: quando os trabalhadores se uniam, o sistema produtivo parava — e os patrões eram obrigados a negociar. Essa experiência moldou sua visão de mundo: a crença de que a união de forças, guiada por objetivos comuns, pode dobrar estruturas dominantes.

Décadas depois, já no terceiro mandato como presidente da República, Lula tenta aplicar essa mesma lógica à política externa. O Brasil reforçou sua atuação no Mercosul e assumiu papel de liderança no BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), apostando na criação de uma frente de países emergentes capaz de contrabalançar a hegemonia dos Estados Unidos e da União Europeia.

Mas o que funcionava no chão de fábrica não se traduz automaticamente para o tabuleiro geopolítico. E Lula, ao insistir nessa transposição, revela uma ingenuidade preocupante.

A lógica sindical aplicada à diplomacia

No sindicalismo, os interesses eram claros e homogêneos. A força vinha da capacidade de paralisar a produção e gerar impacto imediato. Na diplomacia, os países operam com agendas próprias, muitas vezes conflitantes, guiadas por interesses internos, relações bilaterais e ambições estratégicas. A tentativa de Lula de replicar a lógica sindical no BRICS ignora essa complexidade — como se a diplomacia fosse apenas uma assembleia ampliada de trabalhadores.

A proposta de uma moeda comum do BRICS, lançada por Lula em 2023, é um exemplo emblemático. A ideia era reduzir a dependência do dólar e fortalecer o comércio entre os países do bloco. Embora o chanceler russo Sergei Lavrov tenha confirmado que a iniciativa partiu do Brasil, os demais membros — Rússia, China e Índia — rapidamente se esquivaram.

O avanço concreto foi o BRICS Pay, sistema de pagamentos em moedas locais, que está longe de representar uma moeda comum ou uma coordenação política efetiva.

Bravata sem musculatura

Esse episódio expôs uma fragilidade recorrente da diplomacia brasileira: a tendência de protagonizar gestos simbólicos sem respaldo estratégico. Em 2013, um diplomata israelense classificou o Brasil como “anão diplomático” — uma crítica dura, mas reveladora.

A expressão sintetiza a percepção de que o país carece de peso geopolítico real. A tentativa de protagonismo no BRICS, sem apoio dos demais membros, parece confirmar essa leitura.

Enquanto Lula não foi atendido por Donald Trump em discussões sobre sanções, Vladimir Putin foi recebido calorosamente no Alasca. A diferença? Poder militar e influência concreta.

O Brasil, sem economia robusta, sem plano de desenvolvimento de longo prazo e sem capacidade militar significativa, corre o risco de ser usado como peça retórica por outros países — sem colher benefícios reais

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A ingenuidade estratégica e o viés ideológico

Lula parece acreditar que a lealdade entre países pode ser construída da mesma forma que entre sindicatos. Mas essa crença revela uma leitura simplista da diplomacia. No mundo sindical, há confiança mútua, objetivos comuns e uma cultura de solidariedade.

No mundo dos Estados, há competição, interesses divergentes e alianças voláteis. Países não se unem por afinidade ideológica ou carisma pessoal — unem-se por cálculo, conveniência e poder.

E há uma questão que não pode ser ignorada: não sabemos se essa “união” que Lula promove como presidente é de fato uma estratégia legítima de integração entre países emergentes ou apenas um disfarce para sua política ideológica de confrontar os Estados Unidos.

A afinidade com regimes autoritários e de esquerda — como Rússia, China, Venezuela e Irã — não parece ser fruto apenas de pragmatismo diplomático. É uma escolha política. E essa escolha levanta suspeitas sobre a real natureza da liderança brasileira no BRICS: o Brasil está buscando protagonismo internacional ou apenas ecoando afinidades ideológicas?

Ao se alinhar com governos que desafiam abertamente os valores democráticos, Lula arrisca comprometer a credibilidade do Brasil como mediador global.

A diplomacia exige equilíbrio, e a insistência em confrontar o Ocidente — muitas vezes sem ganhos concretos — pode transformar o país em um agente simbólico de resistência, mas sem influência real. A união que Lula propõe parece, cada vez mais, uma construção retórica que mascara uma agenda ideológica: desafiar o Ocidente, não por estratégia, mas por afinidade.

O que falta ao Brasil

Para que o Brasil seja respeitado globalmente, é preciso mais do que gestos simbólicos. É necessário:

  • Desenvolver uma economia sólida e resiliente;
  • Construir uma política externa pragmática e coerente;
  • Ter capacidade real de negociação, evitando bravatas vazias;
  • Criar um plano nacional de longo prazo, com metas claras para redução da pobreza, crescimento econômico e desenvolvimento sustentável.

Sem isso, o país continuará a protagonizar ações simbólicas que não se traduzem em poder real — diferente da experiência sindical de Lula, onde a força coletiva era concreta e eficaz.

Entre a crença e a realidade

A metáfora sindical, embora inspiradora, não basta para enfrentar os desafios da geopolítica. Ao tratar o mundo como uma assembleia sindical, Lula expõe o Brasil a riscos que não podem ser resolvidos com discursos inflamados — e o país paga o preço.

Edemir Bogesky von Schörner é formado em Direito pela PUCPR e Secretário de Relações Internacionais do BRIPAEM – Bloco de Intendentes, Prefeitos, Alcaides e Empresários do Mercosul.

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