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Mais um capítulo da era da insensatez na geopolítica

Nancy Pelosi
Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, fala em coletiva de imprensa em 29 de julho de 2022. (Foto: EFE / EPA / MICHAEL REYNOLDS)

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Em momento de notável retrocesso da consciência civilizada da humanidade, a não bastar o rescaldo trágico da pandemia inconclusa, o mundo vê-se aprofundar em crises internacionais desnecessárias e inoportunas. Assim, com a ordem mundial colapsada com a guerra eslava, mas já não apenas eslava, e que se espalha e contamina, o mês de agosto começa impiedoso, de noticiário sempre a renovar nossa surpresa e espanto.

Longe de desejável apaziguamento que o tempo requer, a geopolítica inflamada parece agravar-se na órbita das super potências, de membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas a ignorar seus deveres jurídico com a solução pacífica de controvérsias, com a segurança coletiva e a manutenção da paz. Afinal, são países constituídos como fiadores máximos da ordem mundial, superpotências atômicas detentoras de poder de vigiar, de punir e de vetar. Quem agora haverá de vigiar os vigilantes?

Estaríamos no vórtice de terceira guerra mundial? Mesmo com o equilíbrio nuclear que impediria nova guerra, com a certeza da não haver vencedores e só destruição de tudo e de todos?

Na escalada de insensatez que nos assola, a crise provocada pela visita da presidente da Câmara de Deputados americana Nancy Pelosi a Taiwan( ou ilha de Formosa, na designação original dos navegadores portugueses), parece conformar o estado da arte de política externa errática e inoportuna. Abstraídos aspectos de conjuntura interna dos contendores, as eleições legislativas de meio mandado nos Estados Unidos, a par da busca de onipotência estratégica por Xi Jinping, perto de ampliar seu mandato – inimigos  externos são sempre os melhores cabos eleitorais – nada pode justifica o risco de jogar-se com fogo. Ou com bombas atômicas.

Thomas Friedman, exímio analista de política externa norte-americano, não usou meias palavras em relação à viagem da representante americana à ilha rebelde da China, a mínima mas simbológica Taiwan: "A visita é imprudente, perigosa e irresponsável. Nada de bom sairá disso". E mais: "Perseguir qualquer coisa que não seja uma abordagem equilibrada seria erro terrível, com consequências vastas e imprevisíveis", disse.

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Assim como há na Rússia a ideia-força de pertencimento das "ucrânias", literalmente a significar fronteiras, entendidas como fronteiras estendidas, dogma do Kremlin, para a China, Taiwan é de Pequim. Embora não sejam convicções isentas de dúvidas históricas, políticas e jurídicas, não parece prodígio de inteligência entender não ser este o momento de evocar desafios e de jogos de guerra de consequências imprevisíveis. Não se pode esquecer do poderia bélico dos países envolvidos, com ogivas com incalculáveis megatons e arsenais nucleares infinitos com o poder de destruir o planeta em átimo de segundos.

A questão fundamental parece em aberto: se na acomodação diplomática do pós-guerra fria foi possível um modus vivendi para evitar agendas insolúveis, estaria agora a história a acelerar-se rumo à intolerância fatal? Estaríamos no vórtice de terceira guerra mundial? Mesmo com o equilíbrio nuclear que impediria nova guerra, com a certeza da não haver vencedores e só destruição de tudo e de todos?

Teria o senso inteligente da humanidade esquecido das calendas de agosto, dias 6 e 9, de Hiroshima e de Nagasaki, 1945? Poderia na era da insensatez a história estar a repetir-se ainda que como farsa? Como a última farsa?

Jorge Fontoura é professor e advogado.

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