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Marabraz: uma análise sobre a disputa jurídica na sucessão de grandes empresas

(Foto: Philippe Oursel/Unsplash )

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O litígio em curso envolvendo a família Fares, controladora da rede varejista Marabraz, vai além de um drama privado ou um escândalo com nomes proeminentes do empreendedorismo. A disputa judicial impacta comunidades específicas, como a muçulmana no Brasil, e merece a devida análise ao revelar um sintoma recorrente no mundo dos negócios.

O caso ganhou notoriedade quando Najla Fares, filha de Nasser Fares – controlador da Marabraz e figura influente na comunidade islâmica brasileira – acusou seu pai. Nasser negou as alegações, classificando-as como "mentirosas e oportunistas", sugerindo que surgiram em meio a uma disputa pelo controle patrimonial da empresa familiar. O embate se intensificou e, mais recentemente, seis sheiks brasileiros manifestaram preocupação com o impacto do litígio na imagem da comunidade muçulmana, afirmando que as acusações seriam "denúncias de ocasião" que causam "profundo embaraço".

A briga, que já vinha se arrastando por anos, envolveu ainda disputas sucessórias entre herdeiros e patriarcas. Um exemplo foi a tentativa de Abdul Fares de interditar o pai, Jamel Fares, fundador da Marabraz, ação que foi retirada após um acordo, mas que demonstrou a gravidade das desavenças internas, com acusações mútuas sobre gestão patrimonial e gastos excessivos.

Tais conflitos estão mergulhados em um universo em que grandes empresas familiares deixam de separar questões pessoais e profissionais. Em detrimento de qualquer prevenção à judicialização ou de qualquer planejamento sucessório, este possível problema é levado adiante e o futuro da empresa acaba por ter que ser solucionado pelo Judiciário ou por meios extrajudiciais.

A estrutura de uma empresa familiar deve englobar não apenas a divisão de ativos, mas também a definição de mecanismos para a sucessão da liderança e a administração do patrimônio

Sem regras claras para a transmissão do patrimônio e para a continuidade da gestão, disputas internas podem surgir, tornando-se batalhas judiciais desgastantes, que não só afetam os envolvidos diretamente, mas também a imagem da empresa. Muitas famílias empresárias adiam decisões importantes sobre governança corporativa e direitos de herdeiros, o que, quando o patriarca ou matriarca perde a capacidade de gestão ou falece, resulta em litígios que ameaçam a continuidade do negócio.

Do ponto de vista jurídico, o caso Marabraz está imerso em praticamente todos os riscos possíveis de uma gestão patrimonial sem definições específicas para a sucessão. A falta de documentos essenciais, como testamentos e acordos de sócios, pode gerar incertezas e disputas intermináveis sobre a divisão de bens e a continuidade dos negócios. A estrutura de uma empresa familiar deve englobar não apenas a divisão de ativos, mas também a definição de mecanismos para a sucessão da liderança e a administração do patrimônio. Quando esse planejamento é negligenciado, a falta de clareza resulta em interpretações conflitantes que, muitas vezes, se traduzem em processos judiciais prolongados.

Além disso, a ausência de governança corporativa adequada agrava o quadro. Empresas familiares com grande patrimônio devem estabelecer práticas que promovam a continuidade da gestão de maneira clara e objetiva. A falta de uma estrutura formalizada torna a empresa suscetível a disputas internas, que não apenas envolvem questões emocionais, mas também jurídicas. Sem cláusulas contratuais bem definidas sobre a sucessão da liderança, a empresa se expõe a conflitos que afetam não só a gestão, mas também a sua saúde financeira e a estabilidade no mercado.

Nesse sentido, a governança corporativa é fundamental para garantir que a sucessão seja tratada de forma estratégica e organizada. A adoção de protocolos familiares e a criação de conselhos de família são úteis para definir as regras sobre a entrada, saída e participação dos membros da família nos negócios. Além disso, a implementação de cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade é uma medida eficaz para proteger o patrimônio familiar de riscos externos, como ações judiciais ou penhoras. Tais instrumentos jurídicos asseguram que o patrimônio da família seja preservado e que a sucessão ocorra de forma ordenada, conforme os parâmetros previamente estabelecidos.

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Ainda no que envolve a varejista Marabraz, a escalada do conflito poderia ter sido evitada ou pelo menos atenuada com a adoção de medidas jurídicas como a implementação de acordos de sócios ou de quotistas, protegendo, assim, o patrimônio. Esses acordos funcionam como ferramentas essenciais para estabelecer as definições de governança e sucessão, definindo claramente os direitos e deveres dos herdeiros, e está previsto no Código Civil, mais especificamente no art. 1.846. A falta desse tipo de documento resulta em disputas intermináveis, sem parâmetros legais claros, que prejudicam a empresa tanto em termos financeiros quanto institucionais. Além disso, a criação de holdings familiares poderia ter facilitado a gestão patrimonial e garantido que as regras fossem seguidas de maneira mais eficiente.

Por fim, além dos danos financeiros e operacionais, outro efeito nocivo dos conflitos familiares expostos publicamente é o impacto na reputação. A disputa envolvendo a família Fares afetou não só a imagem da empresa, mas também a percepção pública da comunidade muçulmana no Brasil. E os litígios dessa natureza podem resultar em danos irreparáveis à reputação de indivíduos e empresas, além de causar problemas contratuais com parceiros de negócios e investidores. Segue ainda cabendo ao Judiciário solucionar um caso como este e fica a lição para outras grandes companhias.

Fábio Jogo é sócio do F. Jogo Advogados Associados e advogado especialista em Direito Empresarial com foco em planejamento sucessório, planejamento patrimonial e holdings.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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