Esse é o problema do socialismo: o meu bem, o seu bem e o bem de todos... quem define é o partido único de forma ditatorial. Ou não é assim em Cuba?
Se há dois homens que influenciaram decisivamente a história da humanidade, esses são Karl Marx e Jesus Cristo.
A experiência socialista implantada na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a partir de 1917, muitas vezes é debitada, injustamente, a Karl Marx. É verdade que Marx foi quem combateu, da forma mais veemente, a exploração dos trabalhadores no capitalismo industrial de fins do século 17 e foi ele também quem elaborou a mais contundente condenação do sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção.
Embora Marx tenha sido o maior demolidor teórico do capitalismo, é injusto atribuir-lhe a condição de culpado pelo terror disseminado na URSS e em outros países comunistas, como a China de Mao, para implantação do socialismo na sua vertente totalitária. Nesta, os pilares principais eram a extinção do direito de propriedade privada e a organização da produção sob o comando central do partido único.
A experiência de engenharia social levada a cabo pelo marxismo-leninismo, cujo operador mais sanguinário foi Stalin, custou a morte de quase 100 milhões de pessoas, aí incluída a carnificina de Mao Tsé-Tung, na China. Marx nunca erigiu uma teoria completa sobre o que seria a sociedade socialista, pois ele sabia que havia três problemas de difícil solução: a) como fazer funcionar o sistema de preços e de cálculo econômico numa sociedade sem mercado livre (o chamado "paradoxo do valor"); b) como aumentar rapidamente a produtividade como etapa anterior à implantação do socialismo; c) como confiscar a propriedade privada sem exterminar os proprietários.
Marx não defendia o capitalismo, é claro, mas era seu melhor estudioso. Ademais, ele era, antes de mais nada, um cientista, que tinha apreço pelo estudo e pela pesquisa desapaixonada. Marx gostava de estudar e investigar, coisa que seus seguidores tupiniquins odeiam. Estes teriam muito a contribuir se lhe copiassem mais do que apenas a barba e o gosto pela aparência desleixada.
Em sua longa pesquisa, Marx havia constatado que o capitalismo era eficiente para produzir, elevar a produtividade e aumentar o produto médio por habitante. Contudo, o sistema gerava exploração do trabalhador e não divisão do produto com o operariado. Ele acreditava que o capitalismo nunca iria promover a distribuição, pelo contrário, ele afirmava que os salários iriam descer cada vez mais, até o nível de subsistência e o trabalhador seria mantido em condição de miséria.
Duas coisas deixaram Marx amargurado: uma, ao morrer, em 1883, já fazia duas décadas que ele andava produzindo pouco, entre outras razões por não ter resolvido o problema da formação de preços e do cálculo econômico em um regime comunista; outra por ver o que políticos fanáticos estavam fazendo com suas teorias e ideias. Ele chegou a se lamentar dizendo: "Eu não sou marxista". Marx defendia a revolução do proletariado contra a burguesia, a tomada do poder e a construção de uma sociedade socialista, mas afirmava que a revolução seria possível somente em um país onde o capitalismo tivesse atingido avançado estágio e os operários tivessem uma mentalidade revolucionária.
Seu nome foi usado para erigir o marxismo-leninismo, teoria que deu base para a implantação do regime de partido único, com poder centralizado e programa obrigatório para todos. Quanto aos discordantes... bom, a solução era exterminá-los, tarefa facilitada pelo ateísmo. Quando havia matado 20 milhões de compatriotas, gente do seu país, Stalin foi indagado se fazia sentido implantar um regime à custa de tantas mortes, ao que ele respondeu: "Pelo bem do meu povo, sou capaz de tudo". Esse é o problema do socialismo: o meu bem, o seu bem e o bem de todos... quem define é o partido único de forma ditatorial. Ou não é assim em Cuba?
Há duas figuras históricas em nome das quais se praticaram as maiores barbaridades: Marx e Jesus. A inquisição promovida pela igreja e fundada em 1184 em Languedoc, Sul da França, se encarregou de castigar e matar para combater os hereges cátaros e albigenses. E o fizeram em nome de Jesus.
A julgar por esses dois movimentos, Marx e Jesus seriam dois terroristas, mas nem um nem outro tem culpa pela ação dos que, em seu nome, governaram e agiram mal.
Noutro dia, ouvi um político dizer: "Vamos resgatar Karl Marx e construir o socialismo no Brasil". Pensei: qual socialismo e qual Marx ele quer resgatar? Acho que nem ele sabe.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.



