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O lançamento do site Memória Paraná, que vai dar acesso a 600 mil páginas da Gazeta do Povo – e acesso em profundidade e amigável, graças a ferramentas de pesquisa apoiadas em inteligência artificial – vai ter um impacto profundo no conhecimento da história do Paraná.
Essa poderia ser uma afirmação muito pretensiosa, caso dispensasse comparações. Pois, como disse o Padre Vieira, “Sem comparação não há miséria”. As bases de comparação que levam a essa afirmativa forte são pessoais – mas, nesse caso, os acidentes importam. Cinco anos atrás fui contratado pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná para produzir o livro sobre seu centenário. Começava uma saga peculiar.
Era o auge da epidemia de Covid. Toda a equipe de pesquisa passou a trabalhar exclusivamente online. Nenhum arquivo histórico permitia pesquisas físicas. Só restavam as fontes de pesquisa disponíveis na internet. Em pouco tempo, uma delas se destacou muito: a coleção eletrônica de O Estado de S. Paulo. Apenas com as referências existentes no noticiário desse jornal foi possível montar uma cronologia detalhada da vida da empresa.
Passada a onda mais dura da epidemia, foi também possível avaliar o material reunido com a empresa – e as conclusões foram duras. A Companhia Melhoramentos Norte do Paraná começou suas atividades loteando uma área de 550 mil alqueires: cada lote e cada pequena propriedade de uma área equivalente a 7% do Estado (e onde estão hoje Londrina, Maringá, Cianorte, Umuarama e mais 59 núcleos urbanos) veio dessa atividade. Teve atuação como produtora de café, soja, milho. Hoje é empresa de energia renovável. Parte muito importante dessa história é local. E não havia bons registros dessa forte ligação local nem no jornal consultado nem na biografia reunida.
O lançamento do site Memória Paraná, que vai dar acesso a 600 mil páginas da Gazeta do Povo, terá impacto profundo no conhecimento da história do Paraná
Era preciso um esforço de pesquisa paranaense. Logo foi descoberta uma solução potencial – e um problema estrutural. A Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba, guardava uma coleção física da Gazeta do Povo e uma versão microfilmada. Tudo muito bem cuidado, mas num padrão para o pesquisador que havia mudado muito. Todos os historiadores de minha geração sabiam pesquisar nessas condições: muitas horas de trabalho para acessar o material e poucas anotações úteis a cada dia. Mesmo no início da era digital, essas condições foram mudando lentamente: era possível digitalizar, mas a consulta às páginas digitais não era excepcionalmente mais produtiva que as leitoras de microfilmes.
A grande diferença veio com os programas robotizados de leitura e classificação – que permitem a consulta eletrônica de todo o conteúdo a partir de perguntas feitas por qualquer usuário. Da necessidade de pesquisa do livro e da boa organização da coleção existente surgiu a hipótese ousada: fazer um projeto incentivado para criar um site de consulta avançado, público e gratuito, para a coleção da Gazeta do Povo, patrocinado pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná.
Tudo muito bom, a não ser por um detalhe: um projeto como esse exigiria do jornal uma disposição para ceder seus direitos sobre o acervo. Ganharia em troca aquilo que vai se realizar agora com o lançamento do projeto Memória Paraná: a entrega à sociedade paranaense de um poderoso instrumento para conhecer sua história. Até o dia de hoje não há meios eletrônicos para a pesquisa completa e simultânea num conjunto de informações sobre história do porte das 800 mil páginas impressas de Gazeta do Povo. Um conjunto dotado de coerência e organização, que agora ganha um salto de acesso tecnológico – mas com valor histórico de relevo maior que a simples evolução para a era da Inteligência Artificial.
Jorge Caldeira é escritor, doutor em Ciência Política e está à frente do Projeto Memória Paraná.
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