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A morte de PMs e a Operação Escudo: combate ao crime com presunção de legalidade

Policial Rota
Samuel Wesley Cosmo, 35 anos, era casado e pai de duas meninas (Foto: Reprodução/Redes Sociais/Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar)

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De novo, nos deparamos com uma lamentável e inaceitável morte de policial militar, em serviço, na Baixada Santista. A vítima, desta vez, é o soldado Samuel Wesley Cosmo, surpreendido com um disparo à queima roupa, no rosto, sem qualquer possibilidade de reação ou de defesa, durante patrulhamento em Santos-SP.

O que torna ainda mais triste este episódio é que a família da vítima, representada por seu pai, também policial, perde o segundo filho para o combate ao crime. Em 2018, o soldado Kennedy Cosmo foi executado por marginais ao sair do Batalhão onde trabalhava, no ABC Paulista. Esta dupla tragédia ilustra bem a extrema gravidade do combate da sociedade à criminalidade.

A advocacia e a sociedade organizada não podem subtrair-se desta luta em face do crime que assola, não de hoje, nossas cidades.

Nessa perspectiva, no ano passado, foi deflagrada em São Paulo a chamada Operação Escudo. A ação foi motivada pela execução, também em serviço, do soldado Patrick Bastos Reis, no Guarujá-SP. Com um saldo de 28 mortos, entre julho e setembro de 2023, a iniciativa foi alvo de críticas por parte de alguns especialistas em segurança pública.

Ao mesmo tempo em que retoma a ofensiva na Baixada Santista, a gestão do governador Tarcísio Gomes de Freitas quer estender o alcance e os efeitos da ação em tela para outros pontos de São Paulo, com vistas à elevar o tom (com suas respectivas consequências) e confrontar a insegurança imposta por bandidos dos mais variados nichos.

É de se ponderar que, no bojo da ação realizada no litoral paulista no ano passado, a sociedade, e não apenas os especialistas, teve acesso a notícias e a relatos acerca das mortes enumeradas acima e que, a rigor, seriam fruto do enfrentamento e da reação do crime organizado frente à mencionada atuação policial.

Nesse contexto, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) emitiu nota sobre o tema. A entidade, ao que se depreende do texto divulgado à época, condenou a atuação das polícias paulistas no Guarujá, sugerindo o cometimento de “violência policial”, ao passo em que classificou, já naquela ocasião, a Operação Escudo como ilegal e abusiva. A mesma lógica e postura foram adotadas por outras instituições e órgãos que defendem os direitos humanos no país.

É de se ressaltar que a Comissão de Direitos Humanos da OAB é ente permanente no Colégio de Advogados Paulista, exatamente em razão de sua relevância e das substanciais contribuições que já concedeu ao resgate e à manutenção do ambiente democrático. A mesma assertiva pode ser estendida a demais polos organizados em torno da temática do controle de abuso do poder estatal.

Contudo, no caso em apreço, tal condenação prévia é açodada. Ao “comprar” uma narrativa que admite, prematuramente, que as forças de segurança agiram de maneira ilegal, estamos diante de posição que, sumariamente, ignora uma das razões da existência da própria advocacia: lutar pelo devido processo legal e pelo amplo direito de defesa e do contraditório. Creio ser absolutamente correto exigir transparente e rigorosa apuração das circunstâncias em que os óbitos ocorreram, a partir da operação desencadeada pela Secretaria de Estado da Segurança Pública – todos, sem exceção. Na mesma medida, outras eventuais mortes decorrentes diretamente da extensão dos efeitos da iniciativa devem sofrer crivo judicial severo.

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Todavia, acreditar que todas as baixas decorrem, necessariamente, da propalada “violência policial” é – para dizer o mínimo – adotar  unilateralmente, “narrativa lacradora”, tão comum nos dias de hoje. Seria, ainda, admitir uma espécie de “apuração paralela”, como também se noticiou tempos atrás, e defender que a própria administração pública age de má fé e dolosamente.

Ora, é crível imaginar que a Corregedoria (Polícia Judiciária Militar) e a Polícia Civil estão colaborando com um suposto “extermínio”? Não acredito nesta hipótese. E mais: imaginar que eventuais erros cometidos por agentes de segurança do estado de São Paulo não possam ser devidamente apurados por meio dos canais institucionais de controle do poder é equivocado. É necessário compreender o momento agudo que vivemos. No entanto, é exatamente agora que precisamos nos agarrar à operacionalização do devido processo legal. Este é, antes de mais nada, o papel preponderante da OAB, que não pode se apequenar face ao desempenho de sua missão constitucional.

A advocacia e a sociedade organizada não podem subtrair-se desta luta em face do crime que assola, não de hoje, nossas cidades, cujo pressuposto, até prova em contrário, é que o Estado age dentro da lei.

Fernando Fabiani Capano é doutor em Direito do Estado pela USP; mestre em Direito Político; especialista em Direito Militar, em Segurança Pública, e em Defesa de Agentes Públicos; é professor de Direito Constitucional e de Direito Penal; e presidente da Associação Paulista da Advocacia Militarista (APAMIL).

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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