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Antonio Cabrera

Mudanças climáticas e crédito: um alerta para o setor produtivo

O Brasil não pode pautar seu crédito em dados climáticos contestados. Sem rigor científico, há risco à produção e à confiança financeira. (Foto: Daniel Caron/Gazeta do Povo)

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O American Enterprise Institute acaba de publicar um artigo (Too Big to Fail) que deveria ter chamado a atenção de todo o setor produtivo brasileiro. A princípio, pode parecer apenas uma crítica à exploração do medo pelo exagero dos efeitos das mudanças climáticas.

O documento descreve que, em 2024, a revista Nature publicou o artigo The Economic Commitment of Climate Change, de Kotz et al. (KLW24). Junto com a publicação, foi divulgado um comunicado à imprensa de que tal estudo projetava enormes perdas futuras no PIB devido às mudanças climáticas, muito mais do que quase todos os outros estudos.

O impacto foi tremendo, sendo que, em todo o ano de 2024, o KLW24 foi o segundo artigo sobre o clima mais mencionado na mídia. Ele rapidamente ganhou espaço em importantes cenários políticos, incluindo o U.S. Congressional Budget Office, a OCDE, o Banco Mundial e o UK Office for Budget Responsibility.

Avançando mais ainda, ele foi adotado pela Network for Greening the Financial System (NGFS), um consórcio de mais de 100 bancos centrais do mundo todo, que adotou os resultados do estudo em uma nova “função de dano” oficial para projetar os custos futuros das mudanças climáticas e, assim, moldar a maneira como governos e empresas pensam e respondem às mudanças climáticas. É aqui que reside o problema.

Não preciso dizer que a NGFS não é apenas mais uma organização internacional ou uma ONG. Ela é um fórum para os bancos centrais e outros reguladores do mundo concordarem com um conjunto comum de princípios de risco climático e a utilização comum de ferramentas climáticas que possam ser usadas para a supervisão bancária dos riscos climáticos dos bancos. Essencialmente, os bancos centrais e outros reguladores criam as metodologias climáticas que utilizam para a supervisão bancária por meio da NGFS.

O problema é que, na semana passada, a mesma Nature publicou um artigo, Data anomalies and the economic commitment of climate change, de Bearpark et al., aqui referido como BHH25, contestando totalmente os resultados do KLW24. Essa correção faz com que suas estimativas de danos não sejam estatisticamente diferentes de zero ao longo do século.

É isso mesmo. A coisa fica pior sabendo que problemas sérios com o KLW24 foram identificados no processo de revisão por pares do artigo, mas não foram resolvidos e o artigo foi publicado mesmo assim.

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Resumindo toda essa história: o KLW24 foi publicado em um periódico de alto impacto, com números impressionantes sobre os efeitos das mudanças climáticas, foi adotado em muitos cenários políticos e agora está sendo desacreditado.

Hoje, se você entrar no site da Nature, vai encontrar uma Nota do Editor no final do KLW24, em uma tradução livre: “Os leitores estão alertados de que a confiabilidade dos dados e da metodologia apresentados neste manuscrito está atualmente em questão. Ações editoriais apropriadas serão tomadas assim que esse assunto for resolvido.”

Sabe qual o problema disso tudo? Em 17/1/22, a NGFS anunciou a inclusão do Banco Central do Brasil em seu Comitê Diretor. Ou seja, o Brasil começou a orientar o seu setor bancário a desenvolver seus negócios pautados na sustentabilidade, mas com dados da NGFS.

O desenvolvimento de iniciativas pioneiras na questão ambiental é aceitável, mas ter como base para o monitoramento da destinação dos fluxos de crédito do sistema bancário critérios socioambientais e climáticos que hoje estão sendo contestados coloca em desconfiança todo o arcabouço do nosso sistema financeiro.

Esse tipo de parceria do nosso Banco Central com instituições que têm um sério problema de controle de qualidade em suas informações compromete a confiança do setor produtivo nas regras que são estabelecidas para a formulação de nossas políticas de empréstimos e do mercado financeiro. Principalmente do setor rural.

Afinal, não podemos explorar o sentimento do medo das mudanças climáticas com informações que hoje estão sendo vigorosamente contestadas. O Brasil não pode brincar com a sua produção de comida!

Antonio Cabrera foi Ministro da Agricultura e Reforma Agrária.

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