Rui Barbosa, um dos maiores juristas brasileiros, escreveu "O jogo, o grande putrefactor, é a diátese cancerosa das raças anemizadas pela sensualidade e pela preguiça; ele entorpece, caleja, desviriliza os povos, nas fibras de cujo organismo insinuou o seu germe proliferante e inextirpável. Só o jogo não reconhece renitências: com a mesma continuidade com que devora as noites do homem ocupado e os dias do ocioso, os milhões do opulento e as migalhas do operário, tripudia uniformemente sobre as sociedades nas quadras de fecundidade e de penúria, de abastecimento e de fome, de alegria e de luto."
Está comprovado que o jogo gera malefícios psicológicos e sociais, uma vez que, mais do que um passatempo, configura-se para muitos uma tentativa de meio de vida, sustentada pela idéia de sorte e ganho fácil, que pode levar à dilapidação do patrimônio e da família. Dois estudos feitos por pesquisadoras do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), da Unifesp, constataram numericamente o problema do jogo. Em 2002, pesquisa feita em um bingo de São José dos Campos mostrou que 45% dos freqüentadores eram jogadores patológicos. Em 1997, a pesquisa "Jogo Patológico: Um Estudo Sobre Jogadores de Bingo, Videopoker e Jockey Club", de Maria Paula de Magalhães Tavares de Oliveira, do Instituto de Psicologia da USP, apontou em 33% dos freqüentadores o percentual de jogadores patológicos.
Além disso, o funcionamento de casas de bingos atinge um dos direitos básicos dos consumidores, qual seja, a efetiva prevenção de danos patrimoniais e morais (art. 6º, VI, da Lei n.º 8078, de 11.09.90). Assim, todos os usuários em potencial desse jogo são diretamente prejudicados, na medida em que, em face da ausência de fiscalização do poder público impedido que está pela falta de regulamentação e da forma pela qual é realizado o jogo, podem ser facilmente ludibriados e sofrer sérios prejuízos econômicos e morais.
Ressalte-se que as casas de bingos funcionam como verdadeiras "lavanderias de dinheiro" das organizações criminosas, a ponto inclusive de haver despertado o interesse de empresários europeus e da máfia italiana, para a venda de máquinas utilizadas pelos exploradores de jogos de azar, manipuladas e montadas com peças e equipamentos eletrônicos que ingressam no país de forma ilícita, e para a lavagem do dinheiro advindo da comercialização da cocaína.
O sentimento de aceitação e prática social não é consenso comum e geral do cidadão brasileiro, ao contrário. Para a maioria, os jogos eletrônicos difundidos nos lugares públicos, até mesmo próximos a escolas, deturpam o caráter, corroem a consciência moral e estimulam o vício e a corrupção.
No apogeu, sob a vigência da Lei Pelé, o Paraná chegou a contar com 42 empresas de bingo, que geravam, segundo informações, cerca de 4 mil empregos. Esse, aliás, é um dos motivos apontados pelos defensores dos bingos como justificativa para a legalização da atividade. No entanto, parte-se de uma premissa errada. Não se pode falar em geração de emprego baseada em atividade de jogo de azar. Ou podemos defender o uso de alguma droga, porque geraria empregos e aqueceria a economia?
Em face destes argumentos é se pode afirmar que o funcionamento dos ditos estabelecimentos acarretam grave lesão à ordem pública, por manifesta ofensa à ordem jurídica vigente, posto que a exploração de jogos em que o ganho e a perda dependem principalmente da sorte, favorecem em demasia o crime do colarinho branco e as organizações criminosas.
Marcelo Balzer Correia é promotor de Justiça do 1.º Tribunal do Júri de Curitiba.



