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Deltan Dallagnol
Deltan Dallagnol.| Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Um dos pressupostos basilares da democracia é a garantia da coexistência de opiniões políticas divergentes. Para que isso ocorra plenamente, as normas jurídicas têm o papel de gerenciar essa coexistência. Um problema recorrente em ambientes de perseguição política é o uso do poder estatal para punir opositores, como temos observado com frequência. A cassação do deputado Deltan Dallagnol por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ilustra esse tipo de situação.

Vamos aos fatos: o pedido para declarar a inelegibilidade de Deltan Dallagnol foi feito com base na Lei da Ficha Limpa. A lei estabelece que são considerados inelegíveis por 8 (oito) anos os membros do Ministério Público que tenham pedido exoneração durante a tramitação de processo administrativo disciplinar (PAD).

É preocupante constatar como interesses políticos influenciam as decisões judiciais, minando a confiança da população nas instituições.

Pois bem, no dia 14 de dezembro de 2021, após Deltan já ter solicitado sua exoneração do cargo, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) emitiu uma certidão comprovando que os únicos dois PADs pelos quais ele passou já haviam sido encerrados. Esses processos foram resultado de críticas feitas por Deltan ao STF no primeiro caso, e a Renan Calheiros no segundo caso. Ambos os processos resultaram em penalidades leves, como advertência e censura, e foram devidamente arquivados muito antes do pedido de exoneração de Deltan. Esses fatos levaram o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TER-PR) a decidir, por unanimidade dos membros do tribunal, que o pedido não tinha procedência.

O recurso da decisão foi julgado pelo TSE na terça-feira dia 16 de maio. O ministro Benedito Gonçalves relatou a decisão e reconheceu em seu voto que os dois PADs pelos quais Deltan havia passado já haviam sido arquivados. No entanto, de maneira inovadora e surpreendente, ele sustentou o pedido de cassação com base em uma tese jurídica que confronta o próprio ordenamento.

O argumento principal sustentado foi que, quando Deltan solicitou sua exoneração, ainda existiam 15 procedimentos administrativos pendentes, que, frisa-se, são distintos dos Processos Administrativos Disciplinares. A argumentação alegou uma suposta fraude à lei, indicando que Deltan pediu exoneração do Ministério Público para evitar que esses procedimentos administrativos se tornassem PADs e, consequentemente, tornar-se inelegível.

O malabarismo jurídico desafiou dois pontos principais. O primeiro deles refere-se à própria regra da inelegibilidade estabelecida pela Lei da Ficha Limpa, que deve ser interpretada de maneira restritiva. Isso ocorre porque a aplicação dessa regra impacta diretamente o direito fundamental à elegibilidade, que é a base da democracia. O intérprete da lei deve sempre favorecer a interpretação que amplie o direito fundamental da elegibilidade. Aplicar a regra da inelegibilidade com base em suposições representa um sério prejuízo para a democracia, uma vez que os procedimentos administrativos poderiam ser convertidos apenas em sindicâncias ou até mesmo arquivados sem qualquer avanço.

Inclusive, esse é o precedente já estabelecido por outras decisões do próprio TSE, como no caso do Recurso Especial Eleitoral 19257/AL, em que o ministro Barroso, relator do processo, enfatizou que a regra da inelegibilidade deve ser sempre interpretada de maneira restritiva em respeito ao direito fundamental à elegibilidade. Portanto, essa nova decisão do TSE representa uma alteração ad hoc na jurisprudência do Tribunal.

O segundo ponto a ser destacado é que não é competência da Justiça Eleitoral analisar o mérito dos procedimentos administrativos em andamento para determinar se eles se converteriam ou não em PADs. Se estamos lidando com uma regra objetiva, como pressupõe a Lei da Ficha Limpa, ela deve ser analisada de forma objetiva, já que a própria Lei utiliza o PAD como marco temporal. Esse foi inclusive o argumento que embasou a decisão unânime do TRE do Paraná ao rejeitar o processo.

Não é incomum vermos o Judiciário brasileiro sendo utilizado como instrumento político para favorecer um lado da história. Essas situações enfraquecem nossa democracia e evidenciam a crescente corrupção nas instituições brasileiras, que deveriam ser sólidas e imparciais. É preocupante constatar como interesses políticos influenciam as decisões judiciais, minando a confiança da população nas instituições. Medidas efetivas devem ser tomadas para preservar a independência e imparcialidade do judiciário, a fim de fortalecer os fundamentos democráticos do país.

Anne Dias, advogada formada pela UFPR e assessora parlamentar do deputado estadual Fabio Oliveira, é presidente do LOLA Brasil.

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