• Carregando...
Senado aprova a nova lei de licitações
Senado aprova a nova lei de licitações. Imagem ilustrativa.| Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

Em 2019 o Brasil investiu algo em torno de R$ 700 bilhões a R$ 1 trilhão em contratações de obras, compras e serviços. Muitos deles para manter serviços públicos essenciais como educação e saúde. A grandeza dos números revela a importância de uma lei que regule todo o processo das contratações públicas. Com este propósito foi aprovado, no Senado Federal, o Projeto de Lei 4.253/2020, que cria uma nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, para substituir as leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11. Trata-se de uma importantíssima medida legislativa que produz profundas inovações no regime jurídico das licitações e das contratações públicas. Evidente que sempre se pode defender que a versão final poderia ter sido melhor concebida. Mas o que foi aprovado merece comemoração, porque, de fato, aprimora o sistema das contrações públicas no país.

Uma das alterações mais importantes é a chamada inversão das fases da licitação em todas as modalidades – o julgamento da habilitação passa a ser a última das etapas. Esta inversão de fases implica celeridade e eficiência, na medida em que a análise dos documentos de habilitação do licitante é feita apenas em relação àquele que foi classificado em primeiro lugar na fase de exame das propostas comerciais. A nova lei incorpora de modo expresso alguns princípios que deverão nortear a aplicação da legislação, como o do planejamento. A falta ou o planejamento incorreto de uma licitação é um dos mais graves problemas da administração pública, que redunda em consequentes problemas de execução contratual. A previsão de que o planejamento é um princípio cria um correlato e imediato dever jurídico para os administradores públicos, que descumprido ensejará a responsabilidade. Vale dizer, agora é expresso o dever de planejamento correto, suficiente e adequado da licitação e do contrato público.

Na outra ponta do processo da contratação, a fase de execução do contrato, também há importantes inovações. Entre os graves problemas enfrentados pela administração pública estão as obras paralisadas ou de péssima qualidade. Para mitigar ou evitar este problema, há previsão de que poderá ser exigida a contratação de seguro-garantia para prever a obrigação da seguradora de assumir a execução e concluir a obra ou serviço de engenharia no caso de inadimplemento da empreiteira contratada. Por meio do “performance bond”, pode-se obter a garantia de conclusão de obras e evitar o desperdício do dinheiro público.

Uma das etapas mais importantes do processo da contratação pública, evidente, é a fiscalização da sua execução. Neste ponto, acertou muito a nova lei, com previsão bem suficiente de regras sobre a fiscalização do contrato e condutas que devem ser adotadas pelos fiscais. Avançou também a nova lei para conferir mais segurança jurídica à adoção de meios alternativos de resolução de controvérsias, ao prever que poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de conflitos contratuais, notadamente a mediação e a arbitragem. Estes meios alternativos podem ser aplicados às controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, como as questões relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações, por exemplo. Este é um ponto fundamental. Os conflitos de interesse entre a administração pública e os contratados muitas vezes são levados para ao Poder Judiciário, em processos que se arrastam por décadas, em prejuízo do interesse público e do interesse privado. Os meios de solução alternativa de conflitos são uma excelente opção para trazer mais eficiência para as contratações.

A Lei nova determina, também, a adoção de mecanismos de compliance e de integridade nas contratações públicas, instituindo expressamente as denominadas “três linhas de defesa do compliance” com o propósito de evitar danos ao erário e atos de corrupção. A primeira linha de defesa é integrada por servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade; a segunda linha de defesa é integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade; e, por fim, uma terceira linha de defesa é integrada pelo órgão central de controle interno da administração e pelo Tribunal de Contas.

O projeto, como dito, não é perfeito. Um dos graves defeitos é a falta de instrumentos jurídicos suficientes para que a qualidade da contratação – e não apenas o menor preço – seja o objetivo principal do processo licitatório. Faltou assertividade para dizer que a administração pública deve buscar é a melhor relação entre custo e benefício (“value for money”). A falta desta disposição expressa gera insegurança jurídica para os agentes públicos, que, com receio da responsabilização, acabam por priorizar apenas o cumprimento de formalidades, e não a satisfação material plena das necessidades públicas. São estas, dentre outras, algumas das muitas inovações legislativas produzidas pela nova lei de licitações. Não é uma lei ideal, mas produz avanços normativos muito significativos em relação ao regime da malfadada Lei 8.666/93. Por conta disso merece elogios.

José Anacleto Abduch Santos é advogado, procurador do Estado, e mestre e doutor em Direito Administrativo.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]