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Nós, mulheres, não somos responsáveis por ser estupradas
| Foto: BigStock

Estou muito longe de ser uma feminista, ao menos no sentido que atualmente se atribui ao termo. Não vou defender a liberação total do aborto (embora concorde com a atual legislação brasileira em vigor sobre o tema), nem participar da Marcha das Vadias, muito menos chamar todo homem de machista ou colocar a culpa do caos do mundo no tal do patriarcado.

Mas isso não significa que vá concordar com o absurdo de tentar culpabilizar a mulher em caso de estupro, como se tornou, infelizmente, comum de ouvir da boca de homens e – pasmem – também de mulheres. Uma mulher, quando é estuprada, é sempre a vítima. E o estuprador, sempre o bandido. Simples assim.

E é estupro não apenas quando a mulher grita desesperada e em vão por um socorro que jamais chegou. É estupro também quando ela é drogada ou se droga ela mesma, a tal ponto de não poder mais discernir. É ainda estupro quando ela bebe além da conta, ou é levada a fazê-lo, e fica sem condições de saber o que está acontecendo. E pasmem, homens, é estupro também quando vocês, maridos, namorados, chefes e afins, usam das ameaças, da força da sua posição, do papel que lhes cabe para submeter as mulheres ao que vocês querem.

“Ah, mais ela é quem quis”, dirá o estuprador, olhar contrito clamando a Deus uma inocência que jamais existiu. Ela quis? Como assim, se nem a direita da esquerda ela conseguia distinguir? Como ela aceitou seus avanços se nem passos firmes conseguia dar? Se você encontrar uma mulher assim e a levar para a cama, saiba que está cometendo um estupro.

“Ah, mas ela é quem se colocou em risco”, podem gritar os algozes da moral. Por esse argumento, se é que se pode chamar isso de argumento, se uma mulher sair com uma roupa curta ou provocativa, chamando atenção demais para si, estaria “pedindo” para ser estuprada. Os homens, diante de uma coxa ou seio descoberto, ficariam tão alucinados em busca do sexo que, se fossem rejeitados por ela, pobrezinhos, teriam de estuprar. Bem, sinto dizer que esse argumento só teria validade se não houvesse civilização.

Se vivêssemos num mundo onde o instinto animalesco fosse a única orientação, se déssemos asas a todo desejo, sem levar em conta o certo do errado (e sim, caros, existe certo e errado, não me digam que não). Num cenário caótico assim, tudo seria permitido, bastando para isso o querer. Graças a Deus e a milênios de civilização, não é assim. Não pode ser.

Mulheres estupradas são vítimas. Não há atenuantes nem nada que possa mudar essa verdade. Não importa quem é a mulher, nem seu passado, sua profissão ou origem. Ou, ao menos, jamais poderia importar. Se é feminista ou conservadora, branca ou negra, uma advogada ou uma prostituta, uma mulher estuprada será sempre uma vítima de um ato de extrema violência e crueldade.

É uma mulher que precisa de acolhimento, compaixão e justiça. É uma mulher que precisa saber que a sociedade não concorda com a violência e pune com rigor quem a comete. Pensar o contrário é compactuar com a degradação da própria sociedade e da dignidade humana.

Maria Fernanda Vasco, pedagoga, é especialista em Estudos da Cultura pela Universidade Integrada de Aveiro (Portugal).

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