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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Ainda que não seja tarefa simples analisar o que desencadeou o recente movimento que resultou na paralisação de caminhoneiros nas rodovias do país, seus resultados escancararam algo que não chega a ser novidade para ninguém: nossa matriz de transportes é inadequada, desequilibrada e extremamente dependente do modal rodoviário. Essa característica faz com que o sistema de transportes brasileiro seja deficiente e dispendioso. Além disso, é responsável por manter um acentuado número de acidentes nas estradas, por elevar o custo Brasil e retirar a competitividade de boa parte de nossos produtos.

De quando em quando esse tema ressurge na imprensa, sobretudo quando os gargalos logísticos atingem níveis extremos – como neste caso mais recente ou nos episódios frequentes de caminhões atolados na BR-163, por exemplo. Em resposta, são lançados planos de governo e projetos audaciosos que dificilmente saem do papel.

Pode ser, contudo, que o próximo período seja um pouco diferente. E para melhor. O governo federal está já há alguns anos estudando a possibilidade de injetar grandes recursos nas ferrovias do país por meio da prorrogação dos contratos de algumas concessões. Esses investimentos serão voltados precipuamente ao aumento da capacidade da malha ferroviária e à redução das interferências urbanas.

Nossa matriz de transportes é inadequada, desequilibrada e extremamente dependente do modal rodoviário

Trata-se de iniciativa louvável por um motivo em particular. Esses investimentos serão capazes de ampliar a capacidade de transporte das ferrovias no curtíssimo prazo, alterando assim nossa desbalanceada matriz de transportes. É o caso da Rumo Logística para a Malha Paulista, única já submetida a audiência pública pela ANTT: a empresa pretende mais que dobrar a capacidade da malha em cinco anos, de 30 milhões para 75 milhões de toneladas úteis por ano – aumento fundamental para o escoamento da crescente safra agrícola, via Porto de Santos. Não é pouca coisa. E os resultados decorrentes dos investimentos previstos nas demais prorrogações serão igualmente impactantes, como veremos ao longo do segundo semestre deste ano.

É verdade que as concessionárias já investiram pesadamente nestes 21 anos de concessão, inclusive no período mais recente. De 1997 para cá, as ferrovias ampliaram em mais de 170% a produção ferroviária, com uma média anual de crescimento de 5,16%; a chamada carga geral, transportada por meio de contêineres, experimentou uma evolução igualmente singular, de quase 130 vezes. Paralelamente, o setor conseguiu uma diminuição expressiva do número de acidentes (mais de 86%, alcançando padrões internacionais de segurança) e fez com que o número de empregos diretos e terceirizados passasse de 16.662, no primeiro ano de concessão, para 40.398 em 2017 – um aumento de 142%.

Apenas nos últimos seis anos, de 2012 a 2017, o setor privado investiu R$ 33,3 bilhões na malha concedida. Concessionária com atuação no estado, a Rumo já investiu cerca de R$ 2 bilhões na Malha Sul desde que assumiu as operações em abril de 2015. A empresa está disposta a investir muito mais nos próximos anos a partir da prorrogação deste contrato.

Leia também: O custo da greve também é o custo da ética (artigo de Felipe Bezerra da Silva, publicado em 10 de junho de 2018)

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Neste mesmo período, o governo federal investiu R$ 9,2 bilhões em novos projetos (Ferrovia Norte-Sul, Ferrovia de Integração Oeste-Leste, obras rodoferroviárias executadas pelo Dnit etc.). A possibilidade real de que o tramo central da Norte-Sul seja licitado ainda este ano, ligando a ferrovia ao Porto de Santos, traz alento ao setor.

A batalha por uma matriz de transporte mais equilibrada é dificílima e dependerá de uma série de fatores. É preciso que haja um planejamento que de fato incentive os modais ferroviário e hidroviário no curto, médio e longo prazos. Não há mais tempo para políticas de afogadilho. A recente decisão do governo de reonerar os setores de transporte ferroviário e aquaviário e manter desonerado o setor rodoviário parece ser absolutamente incompatível com a postura de um país que já deveria ter percebido que há algo de errado com sua matriz de transportes.

Ainda há tempo para que essa distorção seja corrigida. Isso certamente tornará mais fácil o árduo desafio de recuperarmos o tempo perdido. As ferrovias já demonstraram que estão dispostas a cumprir seu papel.

Fernando Simões Paes é advogado e diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF).
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