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Enquanto os governos não desistirem de ser um "tudo para todos", sendo na realidade um "quase nada para quase ninguém"; os governantes só farão agravar o estado de abulia e de desamparo administrativo em que nos encontramos

Tenho uma admiração irrestrita, infantil mesmo, pela profissão de bombeiro. Não foi minha primeira vocação, mas foi a segunda. A primeira era ser vendedor da carrocinha da Kibon que se instalava na frente do Colégio Santo Agostinho no Rio de Janeiro nos anos 1950, pois na minha ingenuidade-esperteza dos 10 anos de idade, acreditava que o vendedor tinha amplo e irrestrito acesso ao estoque de delícias que carregava. Quando descobri que não era assim, desisti e decidi ser bombeiro. Eu e dois terços dos meninos do mundo.

O destino me levou para outros caminhos menos heroicos, mas nunca deixei de admirar os bombeiros. Arriscar a vida para salvar a de outrem exige enorme abnegação e elevação de espírito; fazer disso uma profissão em que o risco de vida é uma constante diária não é para qualquer um; arriscar a vida em troca de um salário humilhante deve doer na alma, pois sinaliza a falta de reconhecimento social do sacrifício feito.

Quando vi na tevê as cenas de uma verdadeira turba atacando o Quartel Central dos Bombeiros do Rio de Janeiro, fiquei perplexo. Não é razoável que alguém capaz de entrar em um prédio em chamas para resgatar uma pessoa que nem conhece; e que trabalha revirando morros que se desmancham com a chuva em busca de sobreviventes e de corpos sabendo que o risco de soterramento é alto, venha, estando em pleno juízo, a ocupar um quartel militar, agredir colegas que iriam sair para atender ocorrências, furar os pneus dos veículos para torná-los inoperantes, desafiar qualquer apelo ou ordem para retomar a serenidade.

Agora o mal está feito, pois é impossível colocar de novo na garrafa esse gênio maligno e destruidor que escapou dela em um momento de insensatez alucinada e coletiva. Há o problema da disciplina militar, do precedente, do mau exemplo que está sendo dado a outros reivindicantes de melhores salários e do incentivo à desobediência que uma atitude conciliadora em relação ao fato iria provocar. Mas é, também, o momento de refletir sobre as razões que levaram parte de um dos grupos mais admirados pela população brasileira a agir como agiu.

Entre as muitas causas possíveis, está uma facilmente identificável: o descontrole que tomou conta da administração pública no Brasil nos últimos 15, 20 anos. Para criar novos espaços capazes de acomodar interesses e aliados políticos e partidários e fazer demagogia junto a grupos sociais politicamente influentes, os governantes brasileiros se esmeram continuamente em criar novas burocracias estéreis e a inchar o corpo de funcionários. Essa contínua expansão de serviços – a maioria dos quais de utilidade duvidosa e eficácia nula ou quase tanto – esgota os recursos necessários para custear decentemente as áreas de saúde, segurança e educação e impede um maior reconhecimento salarial dos funcionários realmente dedicados aos serviços essenciais. E, assim, enquanto se multiplicam ministérios, secretarias, secretarias especiais, assessorias superiores, Aspones; Asmenes; ONGs chapas-brancas e OSCIPs, a saúde pública está no estado em que está, faltam policiais, médicos, enfermeiros e professores, e os que existem são cronicamente mal pagos.

Enquanto não se fizer, efetivamente, um choque de gestão que se traduza em emagrecimento da máquina pública, no fechamento desse mafuá político em que as estruturas governamentais se transformaram; enquanto os governos não desistirem de ser um "tudo para todos", sendo na realidade um "quase nada para quase ninguém"; os governantes só farão agravar o estado de abulia e de desamparo administrativo em que nos encontramos.

Há 30 anos, o governo paranaense chegou a investir 36% do que arrecadava em obras e investimentos, e os resultados são visíveis até hoje. Agora, quando muito, investe de 3% a 4% do orçamento e consome tudo o mais apenas para se manter funcionando. Isso não lhe diz nada, paciente leitor?

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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