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| Foto: Lunae Parracho/AFP

Mais uma vez o Brasil está tendo uma demonstração de que os interesses privados de alguns prevalecem sobre o interesse coletivo da maioria. Por meio do Decreto 9.142, assinado pelo presidente Michel Temer na semana passada, uma área de 4,7 milhões de hectares na divisa do Pará com o Amapá poderia ter sido gravemente afetada com a liberação para a exploração privada de minérios como ouro, manganês, cobre, ferro e outros, não fosse a pressão para que a decisão fosse revogada – e foi. A região abrangia nove áreas protegidas, sendo duas terras indígenas e sete unidades de conservação, incluindo neste segundo grupo o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque (AP), que é o maior do mundo em floresta tropical.

Na revogação, está sendo alegado que um novo decreto será assinado mantendo a área aberta à mineração, mas detalhando como será a preservação ambiental na região e garantindo que não poderá haver mineração em unidades de conservação e terras indígenas. No entanto, o motivo da preocupação é o de que os prejuízos da mineração serão sentidos amplamente. Engana-se quem pensa que só a área de exploração será afetada. O impacto será maior e indireto. A poluição decorrente das atividades de mineração poderá afetar a água, a fauna e flora nativas, e a saúde das populações indígenas e ribeirinhas. Além disso, o já conhecido desmatamento da região crescerá significativamente após a construção de rodovias e a chegada de trabalhadores. Essa porção da Amazônia também exerce contribuição essencial para regular o regime de chuvas do Centro-Sul brasileiro, o que potencialmente poderá ser afetado com a degradação da área.

Os prejuízos da mineração serão sentidos amplamente. Engana-se quem pensa que só a área de exploração será afetada

Portanto, a mineração no entorno continua levantando o questionamento sobre as ameaças impostas pelo governo federal no local. Mesmo que as unidades de conservação tenham sido (a princípio) mantidas, é importante ressaltar que são locais legalmente protegidos e destinados à proteção do patrimônio natural brasileiro. Essas áreas são divididas em duas categorias: as de Proteção Integral e as de Uso Sustentável, as quais se complementam no conjunto do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) – instituído pela Lei 9.985, de 18 de julho de 2000 e criado para consolidar o papel e a gestão das UCs no país.

Na prática, as UCs de Uso Sustentável admitem a presença de moradores e, como o próprio nome indica, permitem a coleta e o uso sustentável dos recursos naturais, a exemplo das Florestas Nacionais. Enquanto as UCs de Proteção Integral, pela fragilidade e relevância ecológica de seus ecossistemas, necessitam de conservação mais restritiva de sua biodiversidade, não admitindo qualquer tipo de extração ou manejo que interfira nos ciclos naturais nela contidos, a exemplo dos Parques Nacionais. Das sete UCs que estavam envolvidas na área aberta na Amazônia para exploração de minério, três eram áreas de Proteção Integral e as outras quatro, de Uso Sustentável.

Incluindo a Amazônia, há mais de 2 mil UCs no Brasil – federais, estaduais e municipais – que protegem importante parcela do território nacional, mas ainda em porcentagem menor que a recomendada pela Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica, da qual o Brasil faz parte. Elas contribuem para conservar o patrimônio natural brasileiro e são essenciais para a manutenção da qualidade de vida humana, no Brasil e no mundo, uma vez que fornecem serviços ambientais como o fornecimento de água limpa, a purificação do ar, a regulação do microclima e o sequestro de carbono que ajuda a amenizar a mudança climática global. As UCs também representam geração de renda para milhares de brasileiros por meio de áreas que são conservadas e utilizadas como pontos turísticos, como é o caso das Cataratas do Iguaçu, no Paraná.

Leia também:O desmonte da gestão do patrimônio natural do Paraná (artigo de Aristides Athayde, publicado em 13 de agosto de 2017)

Leia também:IAP, referência do que um órgão ambiental jamais deve ser (artigo de Henrique Pontes, publicado em 26 de julho de 2017)

É importante lembrar que essa não é a primeira vez que uma decisão vinda do governo federal coloca em risco áreas protegidas e minimizam a importância das unidades de conservação brasileiras. As MPs 756/2016 e 758/2016, aprovadas pelo Senado em maio e posteriormente vetadas – uma integralmente e a outra parcialmente –, reduziriam três importantes áreas brasileiras: a Floresta Nacional do Jamanxim (PA), o Parque Nacional do Jamanxim (PA) e o Parque Nacional de São Joaquim (SC).

É impossível fechar os olhos e imaginar que toda essa mudança não irá afetar a sociedade. Somente aqui no Paraná, são cerca de 70 Unidades de Conservação Estaduais que somam algo em torno de 1,2 milhão de hectares e que corresponderiam a um quarto da área que seria “perdida” na Amazônia, não fosse a pressão sobre o presidente Temer. Ele voltou atrás, por enquanto, mas a Amazônia ainda corre o risco de ter áreas comprometidas. Não poderíamos viver sem UCs aqui, assim como a Amazônia não pode viver sem áreas protegidas por lá, nem o Brasil pode viver sem proteção ambiental.

André Ferretti é gerente na Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e coordenador-geral do Observatório do Clima.
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