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O caso Cichelero: o garantismo contra o ensino domiciliar

(Foto: Compare Fibre/Unsplash )

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Depois de lançar Ensino domiciliar na política e no direito e Regulamentações do ensino domiciliar no mundo, comecei a escrever o que seria, até então, o terceiro livro, uma reunião de histórias de famílias educadoras e, em meio a isso, os apoiadores da prática foram surpreendidos com um vídeo de uma mãe de Santa Catarina que alertava sobre o risco de perder a guarda do filho.

Durante o último ano de estágio, a nova estagiária que, diferentemente da anterior, era totalmente engajada na política, num espectro oposto ao meu, perguntou o meu posicionamento jurídico ante as leis: "Isa, você é legalista ou garantista?".

Para os garantistas, os fins justificam os meios, principalmente se o ato de atrapalhar o regular andamento do Estado de Direito for para o bem. Para o bem do lado deles

Desejando evitar algumas rugas entre as sobrancelhas e em volta do nariz dela, me fiz de desentendida. Eu sabia o que aquilo significava, e onde ela queria chegar – ainda que não dissesse nada depois. Eu não tenho idade suficiente para ter amigos gringos hippies que foram a Woodstock, embora eu tenha crescido assistindo a filmes com inúmeras referências narcóticas ao festival, mas eu tenho idade suficiente para lembrar de um tal ex-super-herói do Judiciário brasileiro que foi inúmeras vezes referido como garantista. Nesse #eufui, nesse #eutava.

Se você nunca ouviu falar nesses termos e se pergunta se é de comer ou de passar, deixe eu te explicar do que se trata. No Direito, há duas vertentes ou posicionamentos jurídicos; é igualzinho à política: nós temos os racionais e os emocionados – não que o tal ex-herói seja um homem de muita emoção, talvez ele não seja um homem muito político também, mas isso é história para um programa de quinta e não para este artigo aqui.

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Acontece que os racionais, conhecidos como legalistas, respeitam e aplicam a lei na sua integralidade, enquanto os emocionados procuram escusas ou diferentes interpretações para moldarem a lei ao resultado pretendido. É mais ou menos o que aconteceu no impeachment da ex-presidente, quando os senadores – autorizados pelo ex-ministro do STF e atual ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski – resolveram inovar juridicamente e fatiaram a votação da inelegibilidade.

Para os garantistas, os fins justificam os meios, principalmente se o ato de atrapalhar o regular andamento do Estado de Direito for para o bem. Para o bem do lado deles, porque da mesma forma que um grupo de juristas concede prerrogativas a uma parcela da sociedade, em nome da garantia dos direitos humanos, ela revoga prerrogativas de outra parcela da sociedade, em nome da mesma garantia dos direitos humanos.

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Ignorar o sistema jurídico vigente e agir contra o conjunto de regras estabelecidas pela sociedade para garantir que determinada conduta lícita seja repreendida, penalizada e desestimulada por possuir um posicionamento contrário à prática é atestar desconhecimento, desrespeito e/ou inaptidão para o cargo. Para soarem coerentes, em vez de perseguirem pais que se preocupam com a qualidade do ensino que os filhos recebem, os garantistas deveriam garantir que as crianças continuem com um ensino de qualidade, não as enviando de volta à escola ou à uma família acolhedora, mas acompanhando o desempenho por avaliações semestrais.

Aqueles primeiros segundos do vídeo me impactaram. "Querem tirar meu filho de mim", dizia Regiane Cichelero. O que teria acontecido com essa mãe, de imediato, se ela não fosse assessorada por advogados especializados na defesa do ensino domiciliar e se não tivesse compartilhado o caso na internet? O caso Cichelero foi documentado no livro AFESC: em defesa do ensino domiciliar, e o direito das famílias educadoras foi fundamentado ao longo da obra, numa mescla entre biografia e defesa jurídica.

Se você é mãe ou pai educador e teme passar pelo mesmo, converse com outros pais educadores, estabeleça uma rede de apoio, consulte advogados especializados, associe-se, seja a uma associação estadual, regional ou nacional, e, sobretudo, se instrua, conheça os seus direitos.

Isadora Palanca, escritora, ghostwriter, revisora e mediadora de conflitos extrajudiciais, com formação em Direito e especialização em Direito e Processo Civil, é autora dos livros "Ensino domiciliar na política e no direito, Regulamentações do ensino domiciliar no mundo" e "AFESC: em defesa do ensino domiciliar".

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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