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Há exatos 99 anos, em 7 de dezembro de 1926, nasceu Francisco Cunha Pereira Filho. Começa, portanto, o ano de seu centenário. E começa com a entrega ao público, a partir de cerimônia no Museu Oscar Niemeyer, no próximo dia 17, do Projeto Memória Paraná. A primeira contribuição deste projeto é um site, no qual, de maneira pública e gratuita, todos terão acesso à maior parte da coleção da Gazeta do Povo.
Nos próximos dias, numa série de artigos, terei a alegria de enfim poder partilhar com o público um privilégio que foi quase somente meu nos últimos cinco anos: ajudar a desenvolver os instrumentos de pesquisa que levam a um conteúdo oceânico: 600 mil páginas de notícias diárias sobre o Paraná (no total serão perto de 800 mil, quando a digitalização estiver terminada). Esta foi, de longe, a mais completa fonte de pesquisa com a qual tive contato nos cinco anos em que me dediquei à história do estado. Mas esse será assunto para depois do dia de hoje.
Francisco Cunha Pereira Filho adquiriu a Gazeta do Povo em 1962. O jornal, fundado em 1919, era publicado há 43 anos; ele tinha 36 anos. As trajetórias de ambos mudariam bastante. A publicação, embora de bom nível, trazia as marcas do jornalismo partidário – obrigatórias em praticamente todos os jornais do mundo até meados do século 19, e na grande maioria dos jornais brasileiros século 20 adentro. Basicamente, eram jornais que dependiam de uma base pequena de assinantes e de um mercado publicitário local acanhado. Para se equilibrar nessa situação, as contas em geral fechavam apenas quando pessoas que investiam dinheiro pessoal – e buscavam projeção também pessoal, no geral como carreira política. Eventualmente chegavam ao poder, irrigando o jornal do dinheiro público que conseguissem.
Como empresário, soube fazer algo que muitos donos de jornal modernos, ainda que dirigindo empresas maiores, não conseguiram realizar no Brasil
As marcas do jornalismo partidário desapareceram depressa das páginas da Gazeta do Povo depois que passou a ser dirigida por Francisco Cunha Pereira Filho. Ele desenvolveu uma forma própria e inovadora para fazer a passagem para o jornal moderno: no lugar das causas pessoais características do jornalismo partidário, empenhou a publicação em causas públicas. Assim manteve tanto algum calor no noticiário quanto foi criando o espaço para aumentar a circulação e buscar mais publicidade – em outras palavras, obter a independência financeira da empresa. Criou depressa a nova base de confiança entre o assinante e a comunidade, característica central do jornalismo moderno, o substituto do modelo do século 19.
Como empresário, soube fazer algo que muitos donos de jornal modernos, ainda que dirigindo empresas maiores, não conseguiram realizar no Brasil. Rapidamente, levou a credibilidade renovada adquirida pela Gazeta do Povo para outras mídias, com a criação do Grupo Paranaense de Comunicação. Os procedimentos de apuração de fatos e sua difusão como notícia pelo papel, rádio ou televisão se tornaram padrão no estado do Paraná.
Francisco Cunha Pereira Filho morreu em 2009 – o ano em que as redes sociais se difundiram pelo mundo. Seus filhos, Guilherme Cunha Pereira e Ana Amélia Filizola, levaram adiante o pioneirismo paterno, levando a Gazeta do Povo inteiramente para o mundo digital. E agora, no ano do centenário de seu pai, deram, juntamente com a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (que também completa 100 anos inovando no Paraná) o passo que vai permitir a todos os paranaenses poderem ter acesso à história registrada em 600 mil páginas de papel no jornal no âmbito da internet e com ferramentas de pesquisa fundadas em inteligência artificial. Nada melhor para homenagear um pioneiro inovador, como se verá nos próximos dias.
Jorge Caldeira é escritor, doutor em Ciência Política e está à frente do Projeto Memória Paraná.



