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Uma bela jovem americana, recém-casada, e um diagnóstico terrível. Brittany Maynard, aos 29 anos, recebeu a notícia de ser portadora de um dos tumores mais agressivos: o glioblastoma. O prognóstico, segundo seus médicos: ela não superaria mais seis meses de vida. Diante disso, então, decide mudar-se com o marido para o estado do Oregon, onde o suicídio assistido é permitido. Recebe lá, como prescrição médica, um coquetel de drogas que ela poderia livremente tomar, podendo decidir o dia e a hora para morrer. E assim o fez. No dia 1.º de novembro, na sua casa, junto com seus familiares.

O que é a morte e por que ela ainda nos choca tanto? Ainda mais a morte procurada, como no caso dessa jovem. Ela é algo que, seguramente, vai em sentido contrário à nossa natureza. Vladimir Jankélévittch, filósofo da moral, responde que sobre a morte não temos nada a saber. Do ponto de vista físico, é a conclusão biológica natural de todo processo de vida. Não morre quem não vive! Mas a este grande enigma (será ele o maior de todos?), os homens sempre, em todas as épocas, buscaram responder com tantas formas diferentes para tentar atenuar a angústia do nosso mistério final: rituais, mitos, religiões, e hoje também com a ciência e com o direito.

Sobreviver. Os animais podem sobreviver sem amar a si mesmos. Nos homens, isso pode ser diferente – apesar de o instinto da sobrevivência ser muito forte em todos nós, e também estar quase sempre em paralelo com o amor próprio. Porém, algumas vezes, os dois podem seguir em direções opostas. O amor próprio pode se rebelar contra a continuação da vida. Simplesmente rejeitar uma vida que não segue o padrão que gostaríamos, para que pudesse ser amada. E este foi o elo da corrente que rompeu em Brittany.

O que amamos, quando amamos nós mesmos, segundo Zygmunt Bauman, é o estado, ou a esperança de sermos amados. Ou seja, para termos esse amor próprio (e assim querermos continuar vivendo), precisamos ser amados ou manter a esperança de sermos amados. Não podemos dizer que o ato de Brittany foi de desespero; afinal, ele foi deliberado e com data e local marcado. Nem mesmo de falta de amor, pois ela tinha uma família que a acompanhou durante toda a doença e a apoiou em sua decisão. O que aconteceu, então? Falta de esperança de continuar a ser amada da mesma forma em um estado mais avançado de sua doença quando a dor e a inconsciência estivessem presentes? Talvez.

Uma questão importante neste caso é: de fato é possível olhar para a morte iminente com serenidade? A resposta é, provavelmente, sim. Como médico que lida cotidianamente com doenças graves, posso testemunhar que a reação de Brittany não é a regra, mas a exceção. A maioria dos pacientes quer viver. Mesmo em situações muito graves, em que a medicina atingiu seus limites. São raros os casos em que o amor próprio e o instinto de sobrevivência rompem de maneira tão radical. Além disso, não podemos afirmar que existam razões fisiológicas, biológicas ou clínicas para acelerar ou buscar a morte. E, dessa forma, o médico não pode se transformar no árbitro ou executor de algo que vai contra a legitimidade moral de sua profissão. A boa morte não é aquela procurada, mas aquela preparada e vivenciada no conforto daqueles que nos amam. Nem é aquela acelerada ou retardada com o sofrimento, mas aquela no tempo certo.

A morte, afinal, não é o grande mistério. Não é ela que deve ser celebrada ou apoiada como um direito. É a vida que é o mistério maior a ser celebrado todos os dias. A verdadeira mensagem que você nos deixou, Brittany, não é a de que devemos lutar pelo direito de morrer, mas a de que precisamos buscar sempre a esperança de ser amados, em quaisquer condições em que nos encontremos. Descanse em paz.

Cicero Urban, médico oncologista e mastologista, é professor de Bioética e Metodologia Científica na Universidade Positivo e vice-presidente do Instituto Ciência e Fé.

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