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O efeito Trump no comércio internacional

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O presidente dos EUA, Donald Trump. (Foto: KEN CEDENO/EFE/EPA)

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A despeito de um discurso historicamente voltado à promoção da paz e da estabilidade global, os Estados Unidos pós-Trump representam um vetor de instabilidades que atravessam Oriente e Ocidente. De representante legítimo do livre-mercado a promotor de desordens de toda sorte, seu retorno ao centro do poder amplia assimetrias, desestabiliza alianças históricas e impõe às empresas uma nova variável de imprevisibilidade: o efeito Trump.

Nos primeiros dias de governo, Donald Trump exonerou mulheres de cargos de alta patente, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris e deportou aos milhares. Com essas ações, impôs uma tensão adicional sobre o futuro das políticas socioambientais e de diversidade em escala global. O efeito Trump levou algumas das principais empresas americanas a anunciarem retração em seus programas de diversidade.

Enquanto a Europa mantém firme o compromisso com pautas socioambientais, os Estados Unidos, sob Trump, seguem na contramão. E consumidores, cada vez mais conscientes, observam

Seu conservadorismo, no entanto, contrasta com as condenações criminais que enfrenta, incluindo falsificação de registros, fraudes corporativas e um pagamento ilegal relacionado a uma atriz de filmes adultos. O paradoxo não se limita à vida pessoal e empresarial: estende-se à política. Trump confronta instituições, tensiona a sociedade e já ensaia alternativas para um terceiro mandato – o que, por ora, é inconstitucional nos Estados Unidos.

Ocorre que Trump reorganiza o campo de atuação das empresas. Pressões por reindustrialização a partir do cinturão da ferrugem, guerras tarifárias e políticas intervencionistas alteram a lógica decisória de empresas multinacionais. Em um país historicamente liberal, o intervencionismo simbólico gera incertezas e eleva o grau de complexidade na gestão de cadeias globais. As empresas se veem obrigadas a operar sob um novo conjunto de sinais institucionais – muitas vezes contraditórios – e a lidar com efeitos contingenciais que não são apenas econômicos, mas reputacionais e regulatórios.

Empresas com operações simultâneas nos EUA e na Europa já vivem esse dilema. Enquanto a Europa mantém firme o compromisso com pautas socioambientais, os Estados Unidos, sob Trump, seguem na contramão. E consumidores, cada vez mais conscientes, observam. A governança corporativa entra em xeque: como sustentar políticas coerentes em mercados regulados por lógicas frontalmente divergentes?

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Nesse contexto, impõe-se uma pergunta: existe um ponto ótimo de silêncio? Até que ponto a escolha por não se posicionar pode ser estratégica – e quando passa a representar uma omissão onerosa? Se governos como o de Trump conseguirem impor uma nova ordem social – ainda que por força institucional –, é possível que vejamos um alinhamento crescente de algumas empresas, por pragmatismo ou por sobrevivência. Por outro lado, se os avanços sociais e ambientais dos últimos anos se mostrarem resilientes – e se a sociedade global, mesmo dividida em blocos, continuar atribuindo valor a esses princípios –, as empresas enfrentarão um campo minado. Como sustentar reputação, coerência e legitimidade diante de pressões tão assimétricas?

No limite, o efeito Trump desafia as empresas a decidir quem elas são – e como pretendem ser percebidas no futuro: como organizações que apenas precificam o autoritarismo em suas análises de risco, ou como atores institucionais que não se curvam a retrocessos civilizatórios e preservam coerência, legitimidade e valor em um cenário onde avanços e autoritarismos disputam, simultaneamente, espaço e narrativa.

Kaio Cézar de Melo, mestre em Administração pelo Insper e pós-graduado em Engenharia Financeira, é diretor executivo da Braver Corporation.

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