A alegre capital da Bavária, München, entrou na história do mundo por diversas portas. A mais trágica, por ironia, foi consumada em setembro de 1938, a pretexto de evitar a guerra, quando a Inglaterra, secundada pela França, entregou parte da antiga Tchecoslováquia à Alemanha nazista.
"Paz em nossos dias" justificou-se o premiê britânico Neville Chamberlain ao retornar a Londres. Não poderia prever que o pacto com Hitler e Mussolini, a cidade onde foi negociado e, sobretudo, a sua justificativa, entrariam para o léxico político mundial como sinônimos de cinismo, capitulação, covardia e despudor. Com a luz verde acesa em Munique, dias depois, Hitler abocanhou os Sudetos e não aplacado pela pusilanimidade anglo-francesa, menos de um ano depois invadiu a Polônia e desencadeou a 2.ª Guerra Mundial.
A declaração final da 32.ª Cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro encerrada nesta sexta-feira reitera o seu compromisso democrático, mas na véspera a estrela do encontro, o presidente venezuelano Hugo Chávez, conseguiu aprovar por unanimidade na Assembléia Nacional, em Caracas, o seu projeto de governar por decreto nos próximos 18 meses.
Poderiam ser 18 dias, 18 horas ou até mesmo 18 minutos caso Chávez seja suficientemente veloz para assinar e rubricar aquela dúzia de estatutos legais destinados a transformar a república bolivariana numa ditadura real.
Por enquanto, trata-se de uma ditadura virtual, projeto autoritário em construção, visivelmente despreocupado com as aparências de uma "democracia burguesa" o que não chega a impressionar nossa trinca de ministros do exterior (os diplomatas Celso Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães e o professor Marco Aurélio Garcia).
Como o Tratado de Assunção de 1991 não explicita qual o tipo de regime político dos "Estados Partes" do Mercado Comum do Sul, vulgo Mercosul (a Cláusula Democrática só foi instituída em 1998), os negociadores brasileiros e argentinos não parecem preocupados em parecer "herdeiros de Munique" nem obrigados a estranhar a volúpia totalitária do ex-coronel Hugo Chávez.
Deveriam. A assimetria institucional (não confundir com o pluralismo político mencionado pelo presidente Lula) será fatal a uma entidade econômica multinacional. Democracias não conseguem aliar-se a estados totalitários e isso se evidencia com a relutância da União Européia em aceitar a semidemocrática Turquia.
Por isso Evo Morales reclama da "burocracia" que atrasa o ingresso da Bolívia no Mercosul. O boliviano é mais frágil e menos hábil do que o bolivariano Chávez que está conseguindo confundir os seus atarantados adversários com o ritmo e a diversidade de suas ações.
As promessas chavistas de estatizar as empresas de energia e telecomunicações, descontaminar a América Latina do neoliberalismo e implantar um "socialismo do século XXI" são disparatas mas opções soberanas. A total desregulamentação dos mercados e o privatismo sem limites ainda não mostraram a sua eficácia. São temas em aberto, legítimo examiná-los, discuti-los ou mesmo experimentar alternativas desde que garantidos os direitos das partes envolvidas.
Intocáveis são o Estado de Direito e a liberdade de imprensa. Chávez, caudilho messiânico clássico, incapaz de filtrar os delírios, confunde alhos com bugalhos, coloca tudo no mesmo saco, seus adversários fazem o mesmo e seus parceiros no Brasil e na Argentina, com medo de encará-lo ou diminuir a sua petro-generosidade não conseguem estabelecer as diferenças.
Sem uma defesa intransigente dos valores democráticos (neles compreendidos a plena liberdade de expressão) e sem uma simetria institucional entre os seus sócios, o Mercosul será um clube sujeito às pressões hegemônicas. As mesmas que tornaram Munique o prólogo de um grande conflito.



