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Em uma partida de futebol, o gramado é a superfície sobre a qual ambos os times aceitam jogar. É a área que os 22 jogadores reconhecem livremente como sendo o espaço ideal para se jogar em condições de igualdade. Na vida pública das nações ocidentais, o Estado laico tem o mesmo papel: é o campo sobre o qual a política e a religião – o Estado e as igrejas em um plano institucional, assim como crentes e agnósticos no plano pessoal – atuam em condições de igualdade e liberdade.

Por consequência, os cidadãos têm o dever de defender o Estado laico de quem o ameaça, principalmente dos fundamentalistas. Quem são eles? Aqueles que sustentam um conjunto de crenças irracionais de forma intransigente e pretendem impô-las a quem não compartilha delas.

Entendido desse modo, o fundamentalismo pode aplicar-se a qualquer conjunto de crenças globais, sejam elas filosóficas, sociais, econômicas, morais ou políticas. E é do fundamentalismo que provêm dois tipos de inimigos do Estado laico: os laicistas e os tradicionalistas.

Os laicistas creem que o modelo republicano francês de laicidade é a melhor receita para evitar a intromissão da religião na política. Por isso pretendem que a religião fique limitada ao âmbito privado, que os crentes se abstenham de participar do debate público e que se promovam leis para esconder cruzes ou véus, colocando sob suspeita tudo o que tenha conotações religiosas ou morais.

Dessa forma, os laicistas não apenas limitam arbitrariamente o exercício da liberdade religiosa e de consciência dos crentes, mas também demonstram uma concepção precária do ambiente público, ignorando que a pluralidade de vozes contribui para que os cidadãos possam formam uma opinião mais qualificada sobre os assuntos públicos.

Em contrapartida, os tradicionalistas têm, no fundo, nostalgia das épocas em que a religião era a referência normativa do Estado e o critério moral predominante para todos os cidadãos. Mais que conquistar aqueles que buscam na religião as referências para a vida cotidiana, sua cruzada consiste em capturar as instituições do Estado para colocá-las ao seu serviço com o pretexto de que apenas dessa maneira é possível promover o bem comum. Seu discurso costuma ser radical e intolerante, pois não é formulado para ser compreendido nem aceito por quem não faz parte de seu grupo. Eles buscam a aprovação, não o debate.

Os tradicionalistas também não contribuem para a promoção de uma discussão pública racional e moderada. Por outros motivos, são como os laicistas, defendendo o maniqueísmo e caricaturizando as posturas contrárias às suas.

As fronteiras entre a política e a religião são porosas e por isso as relações entre elas não estão livres de tensões. A cada dia aparecem novas questões controversas exigindo que se repense e se tracem novamente os limites entre elas, evitando-se a tentação de resolvê-las de forma imediatista e simplista. Diante de tais tensões, advertia Michael Walzer, se deve evitar soluções que suponham uma vitória total a um dos lados envolvidos. Quer dizer, se devem buscar compromissos que, mesmo provisórios e imperfeitos, desarmem as tensões sociais e garantam as bases do Estado laico: a liberdade religiosa e de consciência e a igualdade de tratamento entre os cidadãos.

Iván Garzón-Vallejo, professor da Universidad de La Sabana (Colômbia).

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