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Em setembro de 2015, o ministro da educação japonês, Hakubun Shimomura, notificou as universidades do país pedindo que elas tomassem providências para abolir seus departamentos de humanidades – que compreendem áreas como a Filosofia, Sociologia, Antropologia, Letras entre outras – a fim de convertê-los em organismos que “sirvam melhor às necessidades da sociedade”. O ministro japonês não estava fazendo nada mais do que ecoar uma onda que tem nas universidades dos EUA seu precedente. Já dois anos antes, o ARC, órgão australiano de fomento à pesquisa, havia apontado o projeto de um renomado especialista em filosofia alemã como o tipo de pesquisa que consistiria em um “desperdício de dinheiro”. E temos então formado o atualíssimo tema da crise das humanidades mundo afora.

O valor do estudo da literatura não é enriquecer o vocabulário, embora tal “efeito colateral” seja desejável

O tipo mais comum de reação na literatura atual pode ser sumarizado na posição da professora americana Martha Nussbaum em seu livro Sem fins lucrativos: Por que a democracia precisa das humanidades (ed. WMF, 2010). Segundo ela, as humanidades são essenciais porque delas emergem habilidades e características fundamentais para a manutenção da democracia (ou do pensamento crítico ou, ainda, da civilização ocidental). Assim, seu ensino deve ser preservado porque fomentam capacidades e repertório indispensáveis para tal ou tal fim. E esse é um bom exemplo de como boas verdades podem constituir um mau argumento.

O problema central desse tipo de argumentação é que, por colocar o valor das humanidades em sua função ou serventia para um fim, este sim, mais desejável – a democracia, a aceitação das diferenças ou a manutenção da cultura ocidental –, o que todos os defensores estão dizendo no fundo é que, gostem ou não, as humanidades não têm um valor em si mesmas. Basta que aqueles fins não sejam mais desejáveis – e é historicamente patente que a democracia ou a boa convivência com as diferenças nem sempre gozaram do prestígio atual –, para que o “valor das humanidades” vá igualmente por água abaixo. Nem mesmo do ponto de vista pragmático, de convencer o burocrata interessado na manutenção da democracia ou da cultura ocidental, este tipo de raciocínio é cogente.

O valor do estudo da literatura não é enriquecer o vocabulário, embora tal “efeito colateral” seja desejável. Do mesmo modo, o objetivo do estudo da História não pode ser tão somente “não repetir os erros do passado”, assim como o valor da Filosofia não deve residir no desenvolvimento do famigerado “pensamento crítico”. Há uma diferença crucial entre adquirir formação ou informação e buscar conhecimento simplesmente porque, ao contrário dos saberes necessários para bem chegar a um determinado fim, à busca por alargar o conhecimento da realidade não se pode conceder um termo que lhe seja prévio e em relação ao qual possamos medir o seu progresso. Da mesma forma, a universidade deve ser o lugar no qual a ideia norteadora fundamental é que o conhecimento não pode ser sempre identificado à formação para uma profissão ou para um outro fim que não, como diria Aristóteles, “fugir da ignorância” porque isso é bom em si mesmo. É esse o sentido de “Educação Superior”, expressão desgastada e quase esvaziada de sentido. Se as humanidades são essenciais para algo, o são para afirmar precisamente o valor intrínseco de certa parcela da existência humana que sabemos irredutível porque tem seu fim em si mesma.

Gabriel Ferreira é doutor em Filosofia e professor na Unisinos.
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