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René Dotti prefere ser chamado de “professor” a “doutor”. Na foto, sala de seu grande escritório na “Marechal Deodoro”, todo decorado pela mulher, Rosarita. As paredes são bordô e “verde gráfico”, à moda inglesa. Nas paredes, reproduções e obras paranistas. | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
O renomado jurista René Ariel Dotti faleceu no dia 11 de fevereiro de 2021, aos 86 anos.| Foto:

Duas sucessões em honrosas instituições culturais do estado, a Academia Paranaense de Letras e a Academia Paranaense de Letras Jurídicas, acabam de efetuar-se com elevado significado, a prover e promover a continuidade da inteligência e do pensamento. Com a irreparável perda de René Ariel Dotti, o multifacetado escritor, advogado e professor emérito da UFPR, as cadeiras por ele ocupadas nas duas academias ficaram desertas. Mas não por muito tempo.

Com sucessões decorrentes da inelutável ordem natural das coisas, não foram necessários muitos trâmites para que logo houvesse fumaça branca e as vacâncias fossem preenchidas, com as eleições de Clémerson Merlin Clève para a cadeira 23 da Academia de Letras, e de Luiz Eduardo Gunther para a de número 3 da Academia de Letras Jurídicas, novos titulares de altíssimos e reconhecidos méritos.

A coincidência de terem sido os dois empossados alunos de René Dotti, nas aulas da Faculdade de Direito da UFPR, e depois, ao largo da vida, amigos e admiradores do eterno professor, foi circunstância a dar especial significado às solenidades. Não apenas juristas eméritos, na mesma senda do mestre, os sucessores passaram para bem alem da Taprobana, como intelectuais refinados e cosmopolitas, sempre instigadores de tempos melhores, inspirados no compromisso com a beleza das artes e com o humanismo indeclinável da civilização. Em suas carreiras jurídicas, os dois novos empossados cumpriram caminho de excelência, plenamente titulados, vitoriosos históricos em concursos públicos, como autores de doutrina e conferencistas renomados, com séquitos de discípulos, de mestrandos e de doutorandos, dentro e fora de salas de aula.

No entanto, como na perspectiva privilegiada de René Dotti, tudo isso parecia não bastar. Observadores atentos dos misteres de viver e das vicissitudes da condição humana, desde muito cedo os neoacadêmicos passaram a produzir literatura de qualidade, teatro, poesia e prosa. E começaram ainda estudantes, na Praça Santos Andrade, por certo também inspirados no prédio que frequentavam, ateneu de escalonata, colunas e capitéis clássicos, monumento de beleza incomum, mesmo a cotejar as maiores universidades do mundo. Já reconhecidos escritores desde jovens, tanto nas conferências vespertinas da Biblioteca Pública do Paraná, como nas tertúlias noturnas do Bar Kapelle, desde esses tempos seminais eram amigos de prosa e verso de Dona Helena (La Kolody), bem como habitués de devaneios críticos com Wilson Martins, no exclusivo apartamento-biblioteca da Avenida João Gualberto.

Quanto a Luiz Eduardo Gunther, como se não bastasse, era ainda constante interlocutor de Paulo Leminski. Há quem diga, inclusive, ter sido um dos poucos a dar palpites e ler em primeira hora os originais ainda confusos e desordenados do Catatau. Merlin Clève, por sua vez, igualmente estudante, já era acolhido na cena literária, em publicações constantes, apesar do então reduzido mercado editorial. Ainda com o destaque de prêmios literários, como se vê, desde muito jovens os dois agora sucessores de Dotti já construíam seus percursos literários, alem dos estritos muros de becas, de togas e de dizeres solenes de faculdades de direito e de tribunais.

Na solenidade de posse da Academia Paranaense de Letras, seu atual presidente, Ernani Buchmann, dentre outros atributos, não deixou de ressaltar que Merlin Clève tem o pleno domínio da arte de escrever, com o estro de produzir poesia e dramaturgia, em obra vasta e reconhecida (já finalista do Prêmio Jabuti, em 2015, ainda que em seara jurídica), a contribuir para o prestígio da laureada literatura paranaense.

Também como argumento de autoridade, a referir-se sobre os empossados, Hélio Gomes Coelho Júnior, que foi coautor da obra exordial de Luiz Eduardo Gunther, Pássaro de Louça, de 1974 (Menção Honrosa no Primeiro Concurso Nacional de Novos Autores, da Pró-Reitoria da UFPR), destaca a versatilidade do novo acadêmico, como jurista e escritor, a par de sua imensa capacidade de trabalho, de grande produtividade em todas as áreas de atuação, sempre na lembrança da máxima de Saramago: não tenhamos pressa, mas não percamos tempo.

Jorge Fontoura é advogado e professor.

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