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O caso de Fabiane Maria de Jesus causou indignação em todo Brasil, chamando atenção para uma questão que merece uma maior reflexão por parte da sociedade: o anseio por se fazer justiça com as próprias mãos.

No dia 3 de maio, ao voltar para casa, Fabiane foi cercada e agredida impiedosamente até a morte. Confundida com uma sequestradora, foi xingada, amarrada, humilhada, pisada, chutada, espancada com paus, pedras, barras, rodas, e o que mais tinham à mão. Fabiane era inocente. Mas não é a inocência que deveria ser o fator que causa indignação, mas sim o fato de que os justiçamentos continuam a ocorrer.

"Punição coletiva" e "legítima defesa da sociedade" são incompatíveis com quaisquer concepções que a expressão "justiça" possa assumir. Não existe "justiça" no termo "justiça com as próprias mãos".

Ultimamente é frequente a divulgação na mídia de "bandidos" amarrados, "assaltantes" surrados, "criminosos sexuais" espancados. Todos escritos entre aspas justamente porque nenhum desses "criminosos" foram condenados pelo crime que os levou à "punição".

Cada vez que um defensor do "bandido bom é bandido morto" se manifesta, cada vez que se clama por uma atuação enérgica por parte da polícia, cada vez que se aplaude a ação de populares que prende e espanca suspeitos, legitima-se a punição coletiva calcada no ódio e na vingança.

Em qualquer país democrático, para que alguém seja considerado culpado, é indispensável que seja processado e condenado. Isso deriva de princípios sempre criticados pelos grupos de justiceiros. Esses grupos, formados inclusive por políticos, jornalistas e até por juristas de renome, surfam na onda do sentimento de insegurança em que vivemos, amealhando votos, popularidade e audiência.

Esses grupos não percebem que os princípios que estão previstos na Constituição não são meros enfeites. Os princípios, tais como os que garantem que alguém somente pode ser condenado após processo regular, existem para nos proteger. Os justiceiros criticam os discursos a favor dos Direitos Humanos, mas, sem sombra de dúvida, clamarão por esses mesmos direitos quando algum amigo, familiar ou si próprio estiver naquela condição.

É imperativo que se entenda que os direitos não são os direitos da Fabiane, ou do João, ou do bandido, ou do réu, mas sim são meus, são seus, são de todos nós quando e se formos acusados.

Agora começou o linchamento (moral) dos linchadores. Contudo, perceba-se que são pessoas comuns sendo presas. Repito: comuns. Sempre que um crime repugnante ocorre, a mídia e a sociedade trata de retirar do acusado a qualidade de "ser humano" e passa a taxá-lo de "monstro", pois assim é mais fácil de odiar, de punir, de linchar.

Não é porque agiram inseridas no contexto da multidão, ou porque foram inflamados pela disseminada indignação pela (in)segurança pública, ou porque todos os dias assistem na tevê ou na internet que bandido bom é bandido morto, que não responderão por seus atos. Devem responder sim. Mas devem ter seus direitos respeitados, apesar de terem cometido um ato absolutamente bárbaro e abominável.

Ao respeitar os direitos dos linchadores, estar-se-á respeitando os mesmos direitos que foram negados à Fabiane Maria de Jesus. Ao garantir aos linchadores todos os direitos previstos em nosso ordenamento jurídico, estar-se-á dando um exemplo positivo e incontestável de que é o Estado (frise-se: exclusivamente o Estado) que possui o poder de processar, condenar e executar a pena aplicada.

Rodrigo Faucz Pereira e Silva, advogado criminalista, autor do livro Tribunal do Júri - o novo rito interpretado e professor de Tribunal do Júri da UniBrasil/AbdConst/Curso Prof. Luiz Carlos.

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