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Desde o último 30 de outubro, o Brasil cristão vive uma espécie de transe, um pesadelo que se tornou real pela iminente recondução ao poder de um condenado em três instâncias judiciais, mas reabilitado ao pleito pela corte máxima do país graças a uma firula processual. Num violento golpe contra o cidadão brasileiro, a ficha sujíssima do candidato foi alvejada e ele pôde, lépido e fagueiro, concorrer à eleição presidencial de 2022, sagrando-se vencedor nas urnas.
As urnas eletrônicas – que segundo o Tribunal Superior Eleitoral constituem orgulho da população brasileira – são inauditáveis de modo a não permitir uma recontagem dos votos, restando ao povo confiar na voz suprema e infalível do TSE, senhor máximo da verdade nesse assunto (e em outros também), e da qual sequer podemos ousar duvidar, nem mesmo na companhia íntima do próprio travesseiro. E não serrei eu a fazer isso.
Fato é que o candidato de oposição venceu as eleições. Por uma margem percentual pequena, mas venceu.
Deus nos livre de cometer o despautério de duvidar do resultado desses equipamentos tão sofisticados, ou de achar que o resultado dessas máquinas não casa com a multidão que durante quatro anos se viu espontaneamente nas ruas em apoio ao outro lado. Deus nos livre de pensar que o candidato perdedor era ovacionado por onde passava enquanto o vencedor sequer o nariz na rua podia pôr para não ser hostilizado. Que o magnânimo STF e seu puxadinho TSE nos perdoem tamanha ousadia e atribua eventual falha de conduta nossa à ignorância de pessoas que acreditam em Deus, na família, amam a pátria e trabalham para sustentar seus filhos e gerar riqueza ao país. Urnas eletrônicas, vocês são demais! Nós – como disse (e quer) o TSE – nos orgulhamos de vocês! Vocês nos fazem a festa da democracia!
Fato é que o candidato de oposição venceu as eleições. Por uma margem percentual pequena, mas venceu. Na apuração dos votos do segundo turno começou perdendo, mas exatamente como no primeiro turno, sua curva foi subindo no gráfico praticamente na proporção em que a do atual presidente descia. Era até bonito de ver algo tão geométrico na tela da televisão. Os apoiadores do candidato vencedor explodiram de alegria. Não poderia ser diferente, afinal, esse grito ficara sufocado durante quatro anos e agora poderia ser externado. Está perto de terminar um dos períodos de maior opressão que tivemos no país: controle da mídia, corrupção desenfreada, banalização da vida e da família, perseguição religiosa, desastre econômico, ditadura... Acabou! Agora sim teremos um tempo de paz e harmonia. Enfim, o amor venceu!
Jair Messias Bolsonaro não perdeu as eleições para um simples candidato de oposição. Bolsonaro concorreu com os banqueiros que não se conformaram com os “bilhões” de regalias perdidas durante seu governo. Bolsonaro concorreu com os intelectuais e com praticamente a totalidade das instituições superiores de ensino, de orientação marxista. Bolsonaro concorreu com boa parte do Poder Judiciário militante, notadamente o STF e o TSE, que num golpe concatenado, reabilitaram um criminoso, interferiram no Legislativo para impedir que o resultado das urnas fosse aferido, condescenderam numa campanha desproporcional e, ao longo de seu governo, desferiram sucessivos ataques a medidas de competência do Executivo.
Bolsonaro concorreu com a censura prévia que, imposta por aquelas mesmas cortes, voltou a aterrorizar meios de comunicação e cidadãos brasileiros que sequer a fatos históricos poderiam se referir. Até a dona do “cala a boca já morreu” assentiu à mordaça... “mas só desta vez”. Órgãos de imprensa e pessoas vêm sendo censurados, monitorados e tendo seus perfis banidos das redes sociais. Bolsonaro concorreu com as ONGs globalistas e organizações ambientalistas internacionais que o pintaram como inimigo do meio ambiente, mesmo que dados científicos e empíricos apontassem em sentido contrário. Bolsonaro concorreu com uma mídia completamente corrompida que não fez outra coisa senão denegrir a sua imagem, deturpar tudo quanto falasse, minimizar os feitos de seu governo e até imputar-lhe a imaginária pecha de genocida. Uma oposição e tanto!
Mas uma única oposição era inconcebível a Bolsonaro: a da alta cúpula da Igreja do Brasil. Basta navegar cinco minutos pela internet e serão incontáveis os vídeos e reportagens de Bolsonaro defendendo a vida desde a concepção, os valores da família, a liberdade de expressão e de praticar a religião, o patriotismo. Em contrapartida, do candidato vencedor também serão incontáveis as falas e discursos em favor do aborto, da impunidade, da ditadura, contra a influência da religião na sociedade e a favor do controle das pessoas pelo Estado.
Mesmo assim, a CNBB cometeu o desatino de apoiar o ora vencedor. O discurso de “escolher o melhor”, “o que tem melhores propostas”, definitivamente não se aplicava a uma eleição com candidatos tão antagônicos e onde um deles é socialista. Era preciso um posicionamento firme e alinhado ao que o Magistério sempre ensinou. Salvo as honrosas vozes dissonantes de alguns bispos, grande parte deles – a contar da direção da Conferência – ignora a sua missão. Para eles, a salvação da alma já não se sobrepõe à felicidade terrena.
Altair José Estrada Jr. é advogado, gestor jurídico no setor de concessões rodoviárias e pós-graduado em Direito Processual Civil.