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O que fazer quando o ordenamento jurídico claramente não atende a justiça? Apesar de haver exemplos dessa situação que beiram a tragédia social ao nível individual e até coletivo, o meu foco aqui refere-se a uma específica situação prejudicial ao estado do Paraná e ao seu povo.

Entre 1986 e 1987, atendendo à Lei Federal 7.525, o IBGE dividiu o mar territorial em polígonos mais ou menos retangulares de áreas generosas, contemplando os estados litorâneos com linhas ortogonais que atingem o limite das 200 milhas a que o Brasil faz jus pelos tratados internacionais.

Há, porém, duas exceções: o Piauí e o Paraná, que foram cerceados dos mesmos direitos de outros estados, em função de uma decisão técnica incompreensível para os padrões de excelência do próprio IBGE. É constrangedor constatar que até nesses momentos o Paraná recebe um tratamento marginal ou draconiano pelos entes federais. A evidente arbitrariedade técnica resultou em aberração jurídica, ao destinar aos dois estados uma geometria triangular de área exígua, aumentando o território marítimo de nossos dois vizinhos ao recortar o mar que é nosso de fato e por direito.

Após a decisão do IBGE, seguiu-se uma demanda judicial do estado de Santa Catarina para que fossem considerados pertencentes àquele estado os campos petrolíferos que, considerados em águas paranaenses, equivocadamente começaram a ser interpretados como localizados em águas catarinenses. Estava aí a prova do prejuízo, que começou a se avolumar, em função da divisão estapafúrdia do mar territorial.

Nossas instituições, então, colocaram-se a postos e a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), alicerçada em estudos da Mineropar, passou a empreender uma batalha heroica pela manutenção de nosso direito à divisão justa. Ambas as instituições abasteceram-se mutuamente para engendrar um brilhante trabalho de defesa em uma ação que ainda não terminou, visto que a conclusão ainda aguarda a análise do STF. Alertados pela situação, alguns parlamentares paranaenses entraram na frente de defesa, entre eles o então deputado Gustavo Fruet.

Porém, pela longa batalha, os principais atores começaram, por inúmeras razões, a se distanciar do seu objeto de defesa, que entrou em processo de fadiga. Então, quando as forças institucionais haviam aparentemente chegado ao seu limite de mobilização, o Movimento Pró-Paraná (MPP) entrou em campo, sensibilizado pela causa paranista. Capitaneado pelo diligente e incansável Jonel Chede, figura maiúscula de nossa cidadania, o MPP tem realizado um perfeito trabalho de articulação, que reuniu e somou competências maiores da UFPR e da OAB-PR para aprimorar e aprofundar os argumentos técnicos necessários, não só à defesa do nosso mar, mas também fundamentais à nova proposição de uma lei mais justa para todos os estados. Nessa nova fase tem participado ativamente o deputado Luiz Carlos Hauly, autor do PL 7.247/2014, que propõe novos critérios de divisão mais equânimes do mar territorial. Igualmente, registra-se a importante participação do deputado Eduardo Sciarra e, quando em mandato, do senador Sérgio Souza. A título de conhecimento, anote-se que o PL 96/2013, de autoria do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), trata do assunto, convergindo com as pretensões dos estados do Paraná e do Piauí.

Escrevo a minuta desse texto dentro de um ônibus e, por vizinha, tenho a exuberante paisagem da floresta atlântica que ainda resta preservada como mata ciliar do imponente Rio Ribeira. Assaltou-me àquele momento que, se o Jordão tivesse o mesmo caudal do Ribeira, provavelmente árabes e israelenses viveriam mais em estado de paz que de guerra! Penso que a natureza não é injusta, dando mais recursos a uns que a outros, mas sim que nos impõe o desafio primordial da civilização, que é o partilhamento de recursos entre os povos para que todos vivam dignamente. Todavia, é mister entender que, em parte, esse compartilhar deve vir regulado por letras justas e coerentes, ou seja, não devem ser usados caminhos tortuosos para se avançar em recursos alheios, sob o falso argumento que a legislação assim o permite.

Quando isso acontece, ou seja, à revelia do senso comum de justiça, as instituições, o jornalismo ético e responsável e os movimentos sociais devem somar esforços na direção da mudança necessária. Isso tem sido feito com inteligência no caso do Paraná, mas falta um ingrediente fundamental da receita do sucesso: o engajamento político! Não se pode desconsiderar a histórica marginalização do Paraná, que em parte se deve às poucas vozes audíveis entre nossos representantes no centro planáltico da República.

Se voz eu tivesse para influenciar nossas Excelências, respeitosamente lhes solicitaria que, de pronto, se unissem nessa causa territorial tão importante e histórica para o Paraná quanto foram, no passado, as lutas que nossos antepassados empreenderam em defesa de nossos limites. Nosso território se encontra, hoje, conspurcado e corremos risco de deixar de usufruir, no futuro, de riquezas energéticas como óleo e o gás de nossa bacia sedimentar confrontante. Além disso, de forma mais grave ainda, perderemos a autoridade sobre nossas águas na chamada zona econômica exclusiva, onde se concentram fundamentais recursos inorgânicos e onde há a necessidade de estarmos atentos para os cuidados ecológicos com a rica fauna do mar aberto.

Lutar para a aprovação da nova proposta da divisão do mar territorial apresentada pelo nosso estado, via Movimento Pró-Paraná, deveria ser uma das prioridades para nossos parlamentares, não só pela importância material, mas principalmente pelo resgate de nosso direito cerceado. O embate não é fácil, mas o ganho virá pelo resgate de nosso sentimento de união, pela sensação de que somos bem representados e pelo encolhimento do espectro de autofagia que assombra a vida pública paranaense.

Esta é uma causa paranista e, como estamos fartos de derrotas políticas, filhos feridos que somos de inaceitável debilidade nessa área, é fundamental que seja estratégica para nossos representantes, independentemente das suas cores partidárias. Portanto, senhores políticos paranaenses, a responsabilidade agora é de vocês: resgatem o mar que nos pertence!

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