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O surto da forma silvestre da febre amarela se iniciou em 2016, em Minas Gerais, e tem trazido sérias consequências para a saúde pública, com centenas de casos da doença, muitos deles fatais, e para o meio ambiente, com a desinformação contribuindo para a matança de diversos animais, especialmente macacos. Mas quais são as causas deste surto? Será que podemos defini-las com exatidão? E, mais importante, será que conseguimos destinar nossos esforços para combater o problema com foco no que realmente sabemos?

De forma análoga ao corpo humano, o meio ambiente trabalha como uma balança. Quando uma ação gera pressão sobre um lado, mecanismos de compensação agem para tentar reequilibrar o sistema. Contudo, diferentemente de uma balança tradicional em que um lado influencia diretamente o outro, os sistemas biológicos e ecológicos são geridos por uma imensa gama de fatores, muitos dos quais são incertos e/ou imprevisíveis.

Em outras palavras, ao gerarmos – deliberadamente ou não – pressões sobre os sistemas, não é possível termos certeza dos resultados que serão obtidos, principalmente no longo prazo. Vejamos o caso dos coelhos na Austrália. Por volta de 1860, alguns coelhos foram importados para o país, para serem utilizados na caça esportiva. Porém, poucos anos após sua introdução, ao encontrarem um habitat favorável, se tornaram um grande problema ambiental. Diversas medidas de controle populacional foram tomadas e, a cada nova medida, uma situação inesperada aparecia. Lá, o problema com esses animais perdura até hoje.

A eliminação de primatas poderá contribuir para um incerto cenário de desequilíbrio ambiental

No caso do atual surto da febre amarela, não sabemos ao certo quais fatores foram responsáveis pelo seu aparecimento, mas várias hipóteses tentam trazer luz a este assunto. Alguns acreditam que o incidente de Mariana desregulou a teia trófica e gerou consequente aumento no número de vetores. Outros acham que os casos de febre amarela, zika e chikungunya são heranças da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Ainda há aqueles que dizem que as campanhas de vacinação foram negligenciadas e contribuíram para o aumento de pessoas infectadas, além de outras justificativas que podem estar atuando separada ou conjuntamente para a atual situação.

Independentemente das razões, a culpa recai sobre nós, seres humanos. Devido à medíocre capacidade de previsão da nossa espécie, não fomos capazes de enxergar o cenário em que nos encontramos antecipadamente. Contudo, se por um lado não somos bons em prever as coisas com exatidão, por outro somos bons em reagir à adversidade. Utilizemos, portanto, este atributo para direcionarmos nossos esforços em controlar o atual surto com o que sabemos ser certo.

A febre amarela é transmitida exclusivamente pela picada do mosquito. Os macacos são apenas sentinelas, nos mostrando que o vírus pode estar circulando nas proximidades. Estes animais estão sofrendo com a doença da mesma forma que nós, e a eliminação de primatas poderá contribuir para um incerto cenário de desequilíbrio ambiental. Em outras palavras, podemos criar um novo problema ao achar que desta forma iremos prevenir a doença.

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A Lei Federal 6.259/1975 dispõe sobre a organização das ações de vigilância epidemiológica, sobre o Programa Nacional de Imunizações e estabelece normas relativas à notificação compulsória de doenças, tendo delimitado que o combate às epidemias ficará à cargo do Ministério da Saúde e aos órgãos estatais a ele vinculados. Neste sentido, o Paraná tem, dentro da estrutura da Secretaria de Estado da Saúde, o Departamento de Vigilância Epidemiológica (Deve), responsável por planejar, coordenar, acompanhar e executar as atividades de vigilância epidemiológica em nível estadual, visando conter doenças transmissíveis e não transmissíveis nas situações em que ocorra epidemia ou em que exista indícios de que ela possa ocorrer. Tal trabalho de vigilância é realizado em conjunto com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, que desde o início de 2017 tem intensificado o controle sobre as populações de macacos-prego existentes nos parques estaduais, colocando microchips em grande parte dos animais e analisando amostras sanguíneas coletadas semanalmente.

Já a Lei Federal 9.605/1998 caracteriza a matança de animais silvestres como crime, cuja pena varia de seis meses a um ano de detenção e multa. Da mesma forma, criminaliza as condutas de praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, trazendo pena de detenção de três meses a um ano e multa. No Paraná, maus-tratos aos animais são também combatidos pela legislação estadual: a Lei Estadual 14.037/2003 prevê sanções administrativas aos praticantes de tal conduta, e a Lei Estadual 19.246/2017 obriga pet shops, clinicas veterinárias e hospitais veterinários a notificarem a DPMA quando constarem indícios de maus-tratos nos animais atendidos. Temos, ainda, mecanismos de denúncia, como a Linha Verde do Ibama (0800-618080), o disque-denúncia (181) ou a notificação à Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente da Polícia Civil.

Até o momento, nosso estado se encontra livre da febre amarela. A questão, no entanto, não é se, mas quando ela chegará aqui. Devemos nos antecipar, tendo ciência do problema, educando nossa sociedade, treinando nossos profissionais e lutando adequadamente para evitar o surto. Afinal, a culpa não é do macaco, mas sim de nós mesmos.

Flavio Tincani é biólogo, doutor em Ecologia e Conservação e assessor técnico-científico do Departamento Estadual de Políticas Públicas Sobre Drogas. Felipe Francischini é advogado e deputado estadual.
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