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A Universidade de Stanford iniciou suas atividades letivas em 1891, num legado do casal Leland e Jane Stanford à memória de seu filho único, que faleceu com apenas 15 anos de febre tifoide quando passavam férias em Florença, na Itália. Leland Stanford, empresário, senador e governador da Califórnia, dedicou a essa empreitada parte de sua fortuna, adquirida como um dos big four construtores de ferrovias dos EUA. Inclusive parte da fazenda onde residia o casal, em Palo Alto, hoje com área de 3.310 ha.

Sua concepção mereceu um planejamento meticuloso de cinco anos e a participação de um dos mais conceituados arquitetos do país, que assina também o projeto do Central Park de Nova Iorque. À época, na região escolhida, predominava a exploração de minas de ouro e a Califórnia como um todo era tida como terra inóspita, de caipiras.

Nesse ecossistema tão pouco promissor, fruto dos anseios de genitores que se defrontaram com galhardia a mais intensa tragédia humana – a perda de um filho –, nasce uma universidade com DNA inovador. Até então, o acesso das moças ao ensino superior era quase nulo, enquanto Stanford desde o primeiro ano disponibiliza as vagas para jovens de ambos os gêneros. A maioria absoluta das universidades era vinculada a credos religiosos, Stanford nasce laica. Por iniciativa de Jane, constrói-se alojamentos para estudantes e professores dentro do câmpus, inédito para a época.

Diziam que renomados catedráticos iriam ensinar para as belas paredes

Ademais, tamanho foi o zelo em contratar bons docentes e em projetar um câmpus faustoso, que choveram estocadas – diziam que renomados catedráticos iriam ensinar para as belas paredes. Os fatos, para o nosso gáudio, chicotearam os críticos: 555 alunos matriculados no primeiro ano de funcionamento.

Apenas dois anos após concretizado o sonho, Leland veio a falecer e a viúva doou quase toda a fortuna remanescente à Universidade – na época US$ 11 milhões – quantia cuja aparência nominal não representa adequadamente a expressiva cifra em valores correntes: mais de US$ 320 milhões.

Dessa academia emerge uma megaempresa com orçamento anual de US$ 7,3 bilhões, detentora de hospitais, pesquisas, patentes e ações de empresas ali incubadas ou aceleradas, sendo que o ensino é responsável por apenas 15% a 18% da renda bruta. As doações são igualmente significativas: US$ 1,13 bilhão/ano, com 76 mil doadores cadastrados (uma cultura muito intensa lá, quase nula cá). Alunos matriculados perfazem um total de 16.430, mais da metade em programas de especialização, mestrado, doutorado e PhD, e cuja anuidade média é de US$ 69 mil.

Um marco histórico desse protagonismo da Universidade de Stanford sobre o Vale do Silício foi a fundação da HP, em 1939, pelos estudantes Hewlett e Packard, inicialmente uma pequena empresa de componentes eletrônicos. Desde então, nasceram nessa região nada menos que Cisco, eBay, Google, Instagram, LinkedIn, Netflix, Nike, NVIDIA, Sun Microsystems, Tesla, Yahoo. Ademais, é a instituição de ensino que detém o maior número de prêmios Nobel em todo o planeta.

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Contíguo geograficamente ao Vale do Silício, o seu bem conservado câmpus é ornamentado por dezenas de esculturas de Rodin, porém o que mais chama atenção são as prosaicas bicicletas. Sempre aceleradas (são 13 mil delas, sendo os carros proibidos), se deslocam para as bibliotecas, cantinas, alojamentos, ou de um bloco para outro. Em especial, naquele final de tarde ensolarado de primavera, com rapazes e moças de calções e camisetas a se galantearem. Atenção nefelibatas: há casos de atropelamentos, suprema inglória para um turista ou um stanfordista...

Pândegas à parte, o Vale do Silício é reconhecido como a Meca da Tecnologia e nessa atmosfera em que se respira bits e bytes, há sim um despertar para os valores humanos e para a diversidade. Em quase todas as palestras que assistimos deu-se ênfase às competências socioemocionais, trabalho em equipe, comunicação interpessoal, transparência, etc. Quanto à diversidade é um cadinho de raças e feições – cerca de 40% das pessoas que ali trabalham são estrangeiros de nascimento.

Ademais, a maioria das universidades brasileiras padecem de uma mácula, pouco interagem com a indústria e a comunidade. Como fruto da persistente prática de uma tríplice hélice – universidade, empresa e governo – na propulsão da inovação e resolução de problemas, Stanford estima que 39.900 empreendimentos foram criados por alunos e egressos, que geram uma receita anual de US$ 2,02 trilhões, o equivalente ao PIB brasileiro.

Não temos no Brasil uma agenda desenvolvimentista e é pouco provável que estejamos preparados para o advento da indústria 4.0. Porém, temos ilhas de excelência. É o caso da bem sucedida parceria entre o ITA e a Embraer, esta com uma receita líquida anual (2017) de R$ 18,7 bilhões.

Jacir J. Venturi é coordenador na Universidade Positivo, foi professor da UFPR, PUCPR e vice-presidente da ACP.
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