Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Artigo

O show da Lady Gaga e a nova política do pão e circo

ataque lady gaga
Show de Lady Gaga no Rio de Janeiro. (Foto: Antonio Lacerda - EFE)

Ouça este conteúdo

O show da Lady Gaga na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, reuniu mais de 2,1 milhões de espectadores, configurando-se como um dos maiores espetáculos já realizados pela cantora. Muitos aplaudiram a iniciativa da prefeitura carioca, que aportou mais de R$15 milhões de um total, contados os patrocínios privados, o que teria gerado pelo menos R$600 milhões de retorno para o setor hoteleiro e a economia local.

Porém, apesar desse aparente sucesso, nas redes sociais, usuários classificaram o show da Lady Gaga como “pão e circo”, referindo-se aos grandes eventos promovidos pelos imperadores romanos que, por meio da distribuição de alimentos e espetáculos, mantinham o povo pacífico. Era uma estratégia para controlar as massas e preservar o poder do César, enquanto as campanhas militares e outros assuntos de Estado transcorriam sem grandes questionamentos.

Em qualquer democracia decente, até mesmo nas tão “aclamadas” democracias sociais escandinavas, seria impensável promover um grande evento aberto com dinheiro público ou privado enquanto o Estado sofre uma onda de violência tão intensa

Mas o que tem a ver o show da Lady Gaga com os espetáculos de mais de dois mil anos atrás? O ponto em comum é que esses grandes eventos abafam polêmicas e problemas sociais, preservando o status quo entre governantes e governados. O que se tenta abafar é que em 2025, até o momento do show, o Instituto Fogo Cruzado registrou 277 tiroteios no Rio de Janeiro, com 79 mortos e 102 feridos sendo que, em 2024, contabilizaram-se 2.532 tiroteios, com 1.566 pessoas baleadas, 761 mortas e 805 feridas. Estes números são uma consequência do avanço das facções ligadas ao tráfico de drogas internacional, sem contar da inserção e disputa de territórios entre traficantes e milicianos nas principais regiões da cidade.

Esses dados expõem a gravidade da crise de segurança pública no Rio de Janeiro, e no Brasil de modo geral, marcada pelo avanço das organizações criminosas. A cada ano, o país bate recordes de violência, igualando-se e superando em número de mortos conflitos bélicos no Oriente Médio e na África.

VEJA TAMBÉM:

Em qualquer democracia decente, até mesmo nas tão “aclamadas” democracias sociais escandinavas, seria impensável promover um grande evento aberto como o show da Lady Gaga, seja com dinheiro público ou privado, enquanto o Estado sofre uma onda de violência tão intensa. A título de exemplo, o estado de Goiás, em seu sexto ano consecutivo, reduziu as taxas de criminalidade, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Tais medidas são acompanhadas por um policiamento mais ostensivo, desarticulação de organizações criminosas, combate ao tráfico de drogas e apreensão de foragidos da justiça.

O que pode ser observado na realização deste show da Lady Gaga é que as autoridades ou veem na festança um sintoma de normalidade ou tentam encobrir sua própria incapacidade de gerir a segurança pública. No fim, ao contemplar o espetáculo, enxerga-se o mito do imperador que, diante de uma “cidade maravilhosa” em chamas, dedilha sua lira no conforto do palácio, embalando a população em notas de melancolia e miséria. Até quando a sociedade ficará banalizando o crime e se contentando com meros espetáculos em vez de políticas públicas eficientes?

Aléxis Melo Nepomuceno é coordenador do Instituto Atlantos.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.