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Infelizmente, mais uma vez o descaso de alguns deputados do Paraná com a saúde e com a vida da população foi confirmado. Lamentável que este descuido tenha vindo de pessoas que deveriam prezar pelo cuidado da vida dos seres humanos, que constituem a sociedade que os elege.

Para nosso pesar, no dia 5 de julho vivemos mais um momento catastrófico na Assembleia Legislativa do Paraná. Os membros da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) discutiram a proibição do amianto em nosso estado e demonstraram falta de preocupação com a saúde das pessoas. Este era um momento em que esses atores públicos poderiam demonstrar o seu comprometimento ético e suas competências responsáveis, enquanto legisladores, para uma atuação prática no cuidado da saúde de seres humanos envolvidos no trabalho. Infelizmente, isso não ocorreu.

O compromisso do exercício desse cuidado das pessoas somente seria verdadeiro se alguns dos deputados tivessem reconhecido que a existência delas tem importância para eles. Esses atores sociais e eticamente responsáveis, enquanto representantes da sociedade, deveriam ter reconhecido que cuidar da saúde das pessoas é e deve ser sempre importante.

A decisão é preocupante, neste momento em que se avança no conhecimento e na incorporação de novas tecnologias no processo produtivo e na produção de serviços e bens materiais. O mundo vive uma crise civilizacional e de interesses que se concretizou na votação do projeto de lei contra o amianto e a favor da vida. Ficou confirmado que esta crise “aparece sob o fenômeno do descuido, do descaso e do abandono, na falta de cuidado”.

Urge, neste momento, despertar a sociedade. Urge cobrarmos posturas, atitudes e responsabilidades destes legisladores em promover o cuidado das pessoas. Urge nos preocuparmos por atitudes como a do dia 5. Urge nos inquietarmos. Urge que cobremos o senso da responsabilidade.

Por quantas vidas perdidas os senhores deputados poderão ser responsáveis?

É preciso que os deputados reconheçam que a proteção do trabalhador contra doenças ocupacionais e acidentes de trabalho não é apenas um direito do trabalho, mas um direito humano fundamental. Proteger o direito de todos os trabalhadores significa ter um ambiente de trabalho seguro e saudável, isento de substâncias cancerígenas e nocivas à saúde. É respeitar a dignidade humana e a dignidade do trabalho.

É importante que os parlamentares tomem conhecimento de que, todos os anos, cerca de 2 milhões de mulheres e homens pagam com a própria vida. Tudo isso devido à irresponsabilidade, muitas vezes criminal, de muitos empregadores que não lhes garantem um ambiente seguro, saudável e sem risco, conforme determinam muitas das convenções da OIT já ratificadas, inclusive pelo Brasil. É importante que esses deputados tomem conhecimento de que mais de 100 mil pessoas morrem anualmente no mundo devido à exposição ao amianto, responsável por aproximadamente 1/3 das mortes por câncer profissional.

Pelo que vimos, fica demonstrado que essas pessoas que não votaram pela vida não conhecem ou não deram importância ao fato de que organismos internacionais como a OIT e OMS têm priorizado políticas e programas que recomendam e estimulem a eliminação do amianto do ambiente do trabalho. Infelizmente não conseguimos o compromisso que esperávamos de todos.

Lamentavelmente, atores sociais dos quais esperávamos muito não estabeleceram o compromisso ético e social que ansiávamos: o de promover um pacto pela vida no trabalho. Ficou provado mais uma vez que o interesse econômico prevaleceu sobre o social e a preservação da vida.

Por quantas vidas perdidas os senhores deputados poderão ser responsáveis? Eles perderam a oportunidade de entrar para a história como homens e mulheres que seriam lembrados pela sua coragem, ousadia e atitude de um verdadeiro ser humano que se preocupa com outros. Perderam a chance de serem lembrados no mundo inteiro como pessoas que se esforçaram para que todas as substâncias e agentes cancerígenos do ambiente de trabalho fossem substituídas por substâncias ou agentes não cancerígenos, ou por substâncias ou agentes menos nocivos, conforme estabelece a Convenção 139 da OIT, ratificada pelo Brasil. Perderam a oportunidade de reconhecer, juntamente com milhões de pessoas do mundo todo, que não existe “limite de tolerância” suficientemente seguro para a exposição a substâncias cancerígenas como o amianto. Portanto, não há como garantir a saúde e a vida tanto de trabalhadores expostos como de moradores próximos aos locais de trabalho.

Lamento muito que não tenhamos conseguido despertar a dimensão mais profunda do ser, que está em nós. Infelizmente não conseguimos que os senhores deputados despertassem para a prática do cuidado da saúde e da vida das pessoas, uma atitude que deriva da natureza do ser humano.

É importante que façamos uma reflexão sobre esse dia histórico para o Paraná, pois somos seres éticos e responsáveis. Que percebamos as consequências benéficas ou maléficas de nossos atos, atitudes e comportamentos – e os deputados serão cobrados pelas consequências maléficas de seus atos.

Zuher Handar, médico sanitarista e médico do trabalho da Secretaria de Estado da Saúde, é coordenador do curso de pós-graduação em Medicina do Trabalho da PUCPR, professor da Faculdade Evangélica do Paraná, consultor do escritório da OIT no Brasil para a área de Segurança e Saúde no Trabalho, ex-presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho e ex-secretário de Segurança e Saúde do Ministério do Trabalho.
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