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O então candidato à presidência Jair Bolsonaro, em Curitiba, 29 de julho de 2018.
O então candidato à presidência Jair Bolsonaro, em Curitiba, 29 de julho de 2018.| Foto: EFE/Hedeson Alves

Não existe equivalência moral entre agenda política e crime comprovado; portanto, falar em disputa entre Bolsonaro e Lula é inócuo. Um candidato, ainda que seja divergente dos ideais de um eleitor, não deveria estar em status de concorrência com um criminoso, condenado em várias instâncias e solto por manobras decorrentes de reinterpretações da Constituição.

Não sei quando e por quem nasceu a expressão “terceira via”. Afinal, como pode haver terceira se não existe a segunda? Os ambientes que dominaram espaços durante muito tempo, fornecendo diretrizes supostamente intelectuais para que a mídia as impusesse à população, ficaram carentes de uma figura, ou melhor, figurinha. A intelligentsia sempre precisou completar álbuns ideológicos.

As universidades fizeram isso muito bem por muitas décadas; profissionais, antes estudantes, levaram a mesma mentalidade para redações, e, hoje, não temos o “nós contra eles”: estamos vivendo diariamente o “todos contra ele” – ou, dependo do seu espectro partidário e de demarcações (seja por interesse e/ou ocupação necessária de contraponto), o “todos contra nós”.

Acabo de me deparar com dois vídeos, de dois atores famosos, Taís Araújo e Júlio Andrade, dizendo que o Hino Nacional é o cantar dos despreparados, dos errados, daqueles que fazem mal ao país. Ainda que em outras palavras, em tom cômico, dadas as circunstâncias de participações no programa Que história é essa, Porchat?, observando o histórico dos personagens citados, creio que dificilmente discordariam. Se discordarem, basta perguntar o que eles pensam da população de verde e amarelo, nas últimas manifestações, lotando as maiores avenidas do Brasil, cantando constantemente o hino brasileiro.

Eu fiquei pensando: por que as falas desses artistas me impactaram tanto a ponto de escrever sobre elas? Após muito pensar, cheguei a duas respostas. A primeira tem a ver com minha admiração pelas artes cênicas, principalmente o talento de Júlio Andrade. Quando eu assisto a algo assim, sinto o quanto é importante trabalhar a cada momento para que nossas virtudes estejam acima de qualquer julgamento sobre uma frase; se cometo esta falha, falharei com um compromisso meu, que é justamente o de não anular um talento por uma opção isolada da arte; caso o fizesse, estaria me autoimpedindo de consumir o trabalho do ator. A segunda resposta advém da palavra “sintoma”, a mais importante dos últimos anos e que será algo mais que uma palavra, mas também um alerta para as próximas eleições.

Parece que a frase de Jim Carrey sobre Hollywood também se aplica em nossas terras: “É apenas covarde em massa e realmente parece que isso é uma indicação muito clara de que não somos mais o ‘clube de pessoas legais’”.

Não sei quando e por quem nasceu a expressão “terceira via”. Afinal, como pode haver terceira se não existe a segunda?

A posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República é um sintoma que alinhou a rejeição de tudo que estava presente no histórico brasileiro relacionado à corrupção desenfreada, juntamente com a histeria de se jogar pedra no contraponto, que desagrada, ao que equivocamente parecia estar estabelecido como nossas únicas condições, ou seja, o apego à “social-democracia” do PSDB, cabendo jogar luz à consolidação importante do Plano Real no período FHC. E ao espaço ocupado posteriormente pelo PT, com pródigos acertos nos dois primeiros anos de mandato de Lula, mas que, infelizmente, em seguida assaltou o país, tornando-se o partido responsável pela maior organização criminosa de nossa história. O “fora Temer” não tem diferença para o “fora Bolsonaro” – e olha que não tem muito tempo. Vimos até carro alegórico em escola de samba colocando o vice de Dilma, empossado após o impeachment da ex-presidente, representado como vampiro em plena avenida carnavalesca.

Enquanto aproveito para fazer meu mea culpa, indago e concretizo a reflexão sobre a razão pela qual afirmações de celebridades nos indignam ou motivam, para bem ou para mal. Não são eles que decidem nada; o que decide são os resultados das urnas, compostos em maioria acachapante por cidadãos que nunca estiveram em palco ou tevê. Se há desconfiança na idoneidade de apuração do mecanismo eleitoral, essa é uma outra discussão.

Deveríamos estar mais preocupados com os efeitos da nova composição do Senado Federal. Precisamos nos atentar à desorganização provocada pela filiação de prováveis bons candidatos que disputarão vagas no Congresso sem trabalhar o coeficiente eleitoral em virtude de partidos, siglas ou coligações.

Um Senado acovardado, fechando os olhos às arbitrariedades do STF e ignorando até mesmo uma petição popular com 1,7 milhão de assinaturas solicitando o julgamento de Alexandre de Moraes, é uma afronta à sociedade. É necessária uma mudança urgente, pois não adianta novos nomes no Supremo sem que exista uma casa fiscalizadora.

Concretizo a reflexão sobre a razão pela qual afirmações de celebridades nos indignam ou motivam, para bem ou para mal. Não são eles que decidem nada; o que decide são os resultados das urnas

Necessitamos, também, de informações sobre os próximos ocupantes do corpo técnico executivo. O presidente precisa deixar bem claro quem são os nomes que substituirão os ministros competentes, com resultados positivos em suas respectivas pastas, e que deixaram os cargos por oficializar candidaturas. A credibilidade na campanha de qualquer presidenciável passa por esta organização. Sei que a primeira indagação de Enzos e Valentinas é “não adianta, vai mudar de qualquer jeito”. Enquanto isso, no mundo real a disciplina faz-se necessária, portanto, vamos primeiro à escalação, e depois falaremos sobre peças de reposição.

O dia a dia do trabalhador brasileiro ainda não permite colocar em primeiro plano o que está acontecendo com as cadeiras da Academia Brasileira de Letras. Sem desmerecer a pauta cultural, apenas quero creditar hierarquia prioritária ao cidadão de olho no boleto do mês. Esta eleição precisa ser marcada por perguntas e respostas sobre a inescrupulosa greve do INSS, deixando à mercê vários trabalhadores sem suas perícias e, consequentemente, sem renda. Sobre a ineficácia e demora nos canais de atendimento do Ministério da Cidadania. Sobre a demora em relação à desburocratização de cartórios. Sobre as demoras de consultas no Sistema Único de Saúde; afinal, precisamos resolver esta aberração de um problema estrutural e parar de delegar a problemática como conjuntura, ou seja, nada com matriz de pensamento socialista funcionará numa sociedade capitalista. Entre muitas pautas, são urgentes perguntas e projetos decisórios pragmáticos.

O Sintoma está estabelecido. Ganhando ou perdendo, o bolsonarismo estará presente, seja na figura de Jair ou de seus filhos. Então, caro leitor, a única opção é vigilância, crítica e cobrança fortíssima para cima do Sintoma. Deposite sua energia nas casas e cadeiras que estão prestes a serem ocupadas pela turma do “já ganhou” e/ou pelos que podem ocupá-las por simplesmente autodeclararem-se oposição sem proposição. Em ambos os casos o cenário é perturbador.

Dinho Ferrarezi é jornalista.

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