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"Mas, enquanto todos dormiam, veio seu inimigo, semeou joio bem no meio do trigo, e foi-se embora. Quando o trigo brotou e frutificou, apareceu também o joio." A parábola evangélica continua em plena validade tendo em conta a rede de corrupção que se armou em pelo menos duas Assembleias Legislativas: na do Paraná, e na do Rio de Janeiro como denuncia a deputada Cidinha Campos no discurso ao vivo que se encontra no youtube.

O que se verificam são dois tipos de sono, o das pessoas acomodadas ao status quo, que não querem se incomodar com situações ameaçadoras, e em geral adotam a atitude do "justo" Pilatos, porquanto não há nada o que fazer: é lá com vocês! Outro sono, como lembra Pedro Malan: "O saber simular (parecer aquilo que não é) e o saber dissimular (não parecer aquilo que é) há séculos são considerados expressões de sabedoria política". Esses são os sonos da astúcia dos "justos" como o das "autoridades" de qualquer dos três poderes, que tendo o dever de atuar, investigar, coibir e punir, deixam de o fazer por interesses individuais, ou interesses efêmeros, sendo alguns "confessáveis", outros totalmente "inconfessáveis".

Por uns motivos e por outros, uns porque dormem em berço esplendido, e outros porque fingem dormir o sono dos justos, o rebanho acaba confiado aos lobos. Este é o sono dos justos que gera injustiça e apatia em uma população sofrida, cujo verbo diário e exasperado, que lhe é forçado conjugar, é o sobreviver. Uma população que gasta muitas horas no trânsito, trabalha quase nove horas por dia, e muitos ainda estudam até tarde da noite, sente-se cada vez mais impotente, pois aqueles que ganham – e muito dinheiro – para fazer justiça, não o fazem. São os que têm o dever de zelar pelo bem comum e adotam a política do "sono dos justos".

A complacência moral que está permeando a sociedade brasileira é gerada pela habituação aos inúmeros escândalos de corrupção. Exemplo disso são os atos secretos da Assembleia Legislativa do Paraná e das vultosas somas que se destinam aos lobos rapaces. O crescimento da apatia moral, em boa parte do povo brasileiro, deve-se à sistemática impunidade como o "mensalão", os sanguessugas, conluios de partidos, atos secretos, entre outros.

O historiador Murilo de Carvalho afirma que se pode fazer uma distinção da reação de vários públicos políticos: diferencia-se uma condenação destes atos perniciosos pela "opinião pública" e a sua absolvição pela "opinião nacional", contrapondo a opinião esclarecida e crítica de uma pequena parte da população e a outra que é a absolvição proveniente da opinião de uma grande maioria que se encontra no reino da necessidade, pouco crítica e mal-informada dos fatos. Muitos creem que, por haver tantas denúncias e não se apurar nada, tudo se explicaria como a briga de um bando político contra outro.

A população permanece atordoada diante destes sucessivos desvios de conduta na atividade pública devido aos comportamentos antiéticos dos que deveriam atuar em prol do bem comum. O que mais decepciona é o "sono dos justos". Tem-se indignação para com a omissão do médico que deixa morrer o doente, a omissão do policial que foge da proteção a uma vítima, ou o desvio de donativos pelo agente social para as vítimas das inundações. No entanto perdeu-se a indignação para com a autoridade que não atua, o político que nada faz, a não ser muito simular e dissimular, representando a farsa do "sono dos justos".

O caminho para minimizar os efeitos perversos desta apatia moral é a de estimular a participação da construção da vida social, a partir das instituições intermediárias, entre o governo e os indivíduos, como, por exemplo, a Ordem dos Advogados, a Federação das Indústrias, os Conselhos Regionais e Federais das diversas profissões, as associações de professores etc., de modo a permitir que as pessoas saibam como intervir, protestar, ou participar, nos âmbitos possíveis de atuação, a fim de acordar uns "justos" que permanecem acovardados, e afastar os outros "justos" que são verdadeiros simulacros de virtudes.

É necessária a mobilização social efetiva, que Toro define como a convocação de "vontades para atuar em busca de um propósito comum, sob uma interpretação e um sentido também compartilhados", porquanto "um país converte-se em nação quando responde propositivamente aos desafios que a história lhe coloca".

É o momento de mobilizar as vontades para o despertar de uma democracia madura e esclarecida.

Paulo Sertek, doutor em Educação pela UFPR, é autor de Responsabilidade Social e Competência Interpessoal, Empreendedorismo e Administração e Planejamento Estratégico. paulo-sertek@uol.com.br

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