O conjunto de mudanças estruturais ocorridas no país, especialmente dos anos 1990 em diante, justificariam modificações nas regras de repartição do bolo da União
No começo de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional o artigo 2.º da Lei Complementar (LC) 62 que, em 1989, designou os porcentuais de repartição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Distrito Federal, que deveria vigorar até 1991, mas ainda é praticado. A suprema instância permitiu a validade da tábua atual até o fim de 2012, ocasião da aplicação, também por LC, de novos critérios de divisão, compatíveis com os requerimentos de equilíbrio entre as diferentes unidades subnacionais, sob pena de o fundo vir a desaparecer e/ou de ocorrer o acirramento das disputas pelo bolo orçamentário.
Por uma ótica retrospectiva, percebe-se que a Constituição de 1967 criou um dispositivo que prevê a destinação de 14% e 21,5% da receita total auferida com o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ao FPE e ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), respectivamente. Especificamente, as regras levaram em conta a necessidade de compensação das insuficiências orçamentárias estruturais das regiões menos aquinhoadas, por parte das áreas superavitárias, mediada pela União.
Com isso, concretizava-se uma retaguarda institucional capaz de conferir sentido aos propósitos oficiais de promover a atenuação dos desníveis macrorregionais de geração de renda e emprego, que foram produzidos pelos requisitos de atendimento das economias de aglomeração. Essas diferenças estavam implícitas no desenrolar do modelo de industrialização por substituição de importações que era executado no Brasil entre o começo dos anos 1930 e o fim da década de 1970.
O critério básico de fracionamento dos haveres, incorporado ao Código Tributário Nacional (CTN), estaria centrado em elementos geográficos, demográficos e econômicos, sendo 5% referente à superfície territorial e 95% dividido conforme a relação direta com o volume de população residente e inversa com a renda per capita de cada ente da federação. No tocante aos municípios, as regras combinavam população e inverso da renda per capita para as capitais e população para os outros municípios.
A Carta de 1988, em seu artigo 159, simplesmente aumentou a parcela dos dois tributos alocadas nos fundos para 17% e 22,5%, respectivamente, para estados e municípios, e deixou ao Congresso a tarefa de estabelecer novos parâmetros de distribuição dos recursos. Este, por seu turno, preferiu submeter-se aos subsídios encaminhados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), assento dos Secretários de Fazenda de todos os estados, sintetizados em um quadro de coeficientes que apontava a canalização de 85% das dotações do FPE às unidades do Norte, Nordeste e Centro Oeste e 15% para as do Sul e Sudeste.
A par disso, verificou-se expressivo aumento das transferências voluntárias da União, principalmente daquelas resultantes das emendas dos parlamentares, que configuraram nova moeda de troca política a combalir o desequilibrado federalismo do país.
Em decorrência do novo arranjo (LC 62/89), fruto essencialmente do anárquico sistema de representação política predominante no país, a participação de São Paulo declinou de 4,1% para 1% em favor da elevação, por exemplo, das fatias do Maranhão, Ceará e Bahia, que passaram a absorver 7,2%, 7,3% e 9,3% dos montantes do Fundo, respectivamente.
Mesmo ficando distante da perseguição da prática de equilíbrio no federalismo brasileiro, a lei designava que as partes de rateio valeriam até 1991, conforme já observado, quando seriam trocadas por novos parâmetros, definidos e aprovados pelo Congresso Nacional, a partir de 1992, fato que não ocorreu e que justificaria a recente posição do STF.
Por certo, ainda que a estrutura original estipulada refletisse adequadamente o perfil regional brasileiro, o conjunto de mudanças estruturais ocorridas no país, especialmente dos anos 1990 em diante, justificariam modificações nas regras de repartição do bolo. Dentre as alterações de base sobressaem a abertura comercial, a desregulamentação dos mercados, as privatizações e o esboço de um redesenho da geografia produtiva, especialmente com o avanço da fronteira do agronegócio e da mineração.
No final das contas, a atitude do Supremo Tribunal forçará os estados a deflagrarem ampla negociação política na direção da montagem de um novo arcabouço de fragmentação espacial dos recursos do Fundo. Os resultados dessa negociação podem culminar na montagem de um contemporâneo pacto federativo, redefinindo receitas e encargos entre as diferentes esferas da administração. Para atingir tais objetivos são necessárias a readequação do regime tributário, engrossado pela disputa política dos recursos potenciais, oriundos da exploração da base mineral do país, bem como a eliminação dos arsenais empregados na guerra fiscal.
Gilmar Mendes Lourenço, economista, é coordenador do Curso de Ciências Econômicas da FAE Centro Universitário.



