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Opinião do dia 1

O uso do 13.º salário

Estimativas do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revelam que o pagamento do 13º salário a quase 70 milhões de trabalhadores, aposentados e pensionistas da Previdência Social, deverá injetar cerca de R$ 78 bilhões no sistema econômico brasileiro até o final de 2008, já descontadas as antecipações feitas pelas empresas ao longo do ano.

Trata-se de montante recorde, resultado do pronunciado aquecimento do mercado interno do país no período compreendido entre o final de 2005 e o primeiro semestre de 2008, imputado à conjugação entre a reprodução do dinamismo exportador sobre a demanda doméstica, os impactos da estabilidade inflacionária, a redução dos juros e ampliação dos prazos dos financiamentos do consumo de bens duráveis, e a ampliação da abrangência dos programas oficiais de transferência de renda.

Esse quadro virtuoso se espraiou sobre o mercado de trabalho, particularmente na massa de salários, por meio da combinação entre a impulsão dos patamares de emprego e dos rendimentos reais. Conforme levantamentos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o contingente de empregos com carteira assinada atingiu os maiores níveis desde 1985, devendo superar 40 milhões no final do exercício de 2008, contra 37,6 milhões em 2007, tendo sido geradas mais de 2 milhões de vagas entre os meses de janeiro e setembro.

Em paralelo, a situação positiva foi influenciada diretamente pela continuidade da política oficial de recomposição do poder de compra do salário mínimo, iniciada há quase uma década e meia e ladeando a gestão do Plano Real, e da obtenção de reajustes reais (acima da inflação passada), por parte da esmagadora maioria das categorias profissionais, por ocasião dos dissídios e acordos coletivos.

Contudo, o desempenho altamente satisfatório retratado pelas estatísticas ainda não conseguiu captar o delineamento de uma marcha descendente da base produtiva, como decorrência dos reflexos dos ajustes promovidos pelas autoridades econômicas e pelos agentes privados para enfrentamento da internalização dos problemas derivados da penetração da crise das finanças internacionais.

Rigorosamente, neste ano, a adição das cifras do 13º não deverá apresentar o efeito de arraste da produção e das vendas, tal como acontecido em 2006 e 2007, devido à sua provável utilização alternativa, explicada por dois elementos. O primeiro deles compreende o estágio cadente das atividades econômicas, no último trimestre, associado à irradiação da crise externa no cenário doméstico, sobretudo quanto à diminuição e encarecimento da oferta de crédito e à inevitável elevação do desemprego, o que deve aprofundar a cautela nas decisões de consumo das famílias.

O segundo ponto repousa nos sinais de exaustão da capacidade de endividamento primário da população, durante o surto de consumo de bens duráveis ocorrido entre 2006 e 2008, em um panorama de subida dos encargos financeiros incidentes sobre as operações a prazo. Em novembro, os juros médios cobrados de pessoas físicas suplantavam os 50% ao ano, sendo que, entre outubro e novembro, os do empréstimo pessoal ascenderam de 102% ao ano para 105% a.a. e os do cheque especial de 170% a.a. para 180,0% a.a.

De acordo com a Serasa, a inadimplência (atrasos nos pagamentos dos compromissos superiores a 90 dias) dos consumidores experimentou variação de 7,5% entre janeiro e outubro de 2008, frente igual intervalo de 2007, também explicada pela elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), em janeiro de 2008, e pela retomada altista da taxa Selic a partir de abril. Frise-se que nos dez primeiros meses de 2007 a variação da inadimplência foi de 0,3% em comparação com 2006.

A inadimplência das pessoas físicas corresponde a 7,2% do estoque de crédito, e o valor médio das dívidas subiu 5,5%, sendo 13,9% para os cheques devolvidos. O valor do passivo em atraso está concentrado nos bancos (43,2%), cartões de crédito e financeiras (33,1%), cheques devolvidos (21,5%) e títulos protestados (2,2%).

Por tais motivos, parece razoável supor que os assalariados vão usar o 13º prioritariamente para quitação de dívidas, formação de reservas para o começo de 2009, voltada à cobertura dos gastos sazonais com impostos (IPVA e IPTU) e materiais escolares, e efetivação de compras a vista de bens com menor valor unitário, tirando proveito da possibilidade de negociação com as redes comerciais, especialmente aquelas de menor porte, diante da necessidade destas desovarem estoques para a restauração dos fluxos de caixa.

Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do Curso de Ciências Econômicas e editor da revista "Vitrine da Conjuntura" da FAE Business School.

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