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No último dia 17 de novembro, sob a relatoria do ministro Edson Fachin e em regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal decidiu controvérsia sobre o impacto dos benefícios fiscais concedidos pela União no Fundo de Participação dos Municípios (RE 705.423). Embora a União seja a detentora da competência tributária do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), parte do produto da arrecadação (22,5%) deve ser destinada ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), por expressa previsão constitucional (art. 159, inciso I). A controvérsia surge porque, ao conceder benefícios fiscais, a União arrecada menos e, consequentemente, repassa menos recursos ao FPM.

Os municípios defendem que não podem sofrer quaisquer efeitos financeiros decorrentes dessas desonerações, sob pena de ofensa à autonomia financeira municipal. Afirmam que a União, ao conceder benefícios, faz “cortesia com o chapéu alheio”. Não é possível negar a importância das transferências do produto da arrecadação desses impostos federais para as finanças dos municípios, sobretudo diante do contexto geral dos orçamentos municipais brasileiros. A autonomia financeira municipal e a dos demais entes é tema que, de fato, demanda debate político para a definição de novos rumos para o nosso federalismo fiscal. De qualquer forma, por mais aguda que seja a crítica ao modelo brasileiro e aos incentivos concedidos pela União, ela não justifica o descumprimento do modelo de repartição de competências e do produto da arrecadação previsto na Constituição.

O poder de instituir e arrecadar o IR e o IPI acompanha o poder de conceder benefícios, incentivos e isenções fiscais

O poder de dispor

Ninguém duvida que a União tem o poder de isentar. O que estava sob julgamento era outra coisa: a União pode isentar do que não é seu?

Leia o artigo de Taiguara Fernandes de Sousa, advogado e jornalista

No sistema tributário constitucional, o poder de instituir e arrecadar o IR e o IPI acompanha o poder de conceder benefícios, incentivos e isenções fiscais. Por essa razão, a titularidade da competência também traz consigo a relevante possibilidade de utilização desses dois tributos para finalidade regulatória, a fim de estimular ou desestimular setores da economia. E ambos os impostos têm função regulatória destacada.

A regra do repasse do produto da arrecadação ao FPM não deve ser entendida como um constrangimento ao exercício da competência tributária. Deve ser respeitado o repasse do porcentual do produto arrecadado, mas este será resultante do exercício da competência por parte da União. O repasse ao fundo poderá ser maior ou menor, conforme a União decida elevar as alíquotas ou conceder benefícios. Entender em sentido contrário ou limita indevidamente a competência tributária ou cria um dever de compensação não previsto na Constituição. Ademais, é errôneo enxergar as isenções como meras “cortesias”, pois os benefícios (regulares) concedidos devem ter objetivos definidos e fundamento em princípios constitucionais.

Nunca é demais lembrar a metáfora do tributarista Alfredo Augusto Becker: “sempre que a juridicidade do Direito Tributário é desvirtuada, ele veste-se de andrajos jurídicos e, como Cinderela – envolta num halo de mistério e superstição –, foge ao Palácio da Justiça, quando a despesa ultrapassa a receita, na meia-noite dos orçamentos deficitários”.

O Supremo Tribunal Federal resolveu a controvérsia prestigiando a competência tributária da União e a sua possibilidade de criar e isentar tributos, sem ceder ao argumento financeiro dos municípios. Desta vez, portanto, o Direito Tributário permaneceu no Palácio da Justiça.

Ayrton Ruy Giublin Neto é advogado e professor de Direito Tributário da Universidade Positivo (UP).
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