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 | Hugo Harada/Gazeta do Povo
| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

Existe uma grande diferença entre oportunidade e oportunismo. Neste, as pessoas querem levar vantagem em tudo, ser espertas, ganhar a qualquer custo, enquanto aquela vai na contramão deste movimento cada vez mais presente e enraizado na cultura brasileira.

Enquanto morava no Brasil, vivenciei diversas situações em que me deparei com o oportunismo e isso me incomodava demais. Por isso, desde que passei a ter residência fixa nos Estados Unidos, decidi colocar um ponto final nisso. Hoje, não tolero esse comportamento e as pessoas que convivem comigo sabem o quanto sou rígido, fazendo duras críticas quando identifico o vício do oportunismo nas minhas relações de negócios.

A cultura do Brasil é riquíssima, linda e superdiversificada, mas esse vício maldito acaba com a beleza. A necessidade de levar vantagem deixa as pessoas cegas e a Feira de Acari, no Rio de Janeiro, é um belo exemplo deste contraste. O mercadão de produtos roubados é promovido à custa de inúmeras mortes e assaltos por causa de um comércio que não tem fim. Em São Paulo, mais precisamente na Avenida Paulista, há um shopping de artigos chineses a preço popular. Confesso que ia lá todo fim de semana para olhar as novidades; sempre comprava um DVD ou outro e um monte de outras coisas consideradas “réplicas de primeira linha”.

Vidas acabam porque alguém tem a necessidade porca de comprar algo “baratinho”

Quem realmente usa artigos de luxo sabe a diferença entre o pirata e o original. Mas, mesmo que o consumidor desses produtos tenha uma autoestima lá em cima e não se incomode com o julgamento dos outros, ou seja do tipo que adota a política do “não estou nem aí”, existe algo implícito neste jogo, algo muito mais grave que a opinião alheia: o dano causado pelo consumo desse tipo de produto. Não há pagamento de impostos referente à mercadoria; só por isso ela chegou tão em conta até o seu consumidor final. Mas não é só isso: vidas acabam porque alguém tem a necessidade porca de comprar algo “baratinho”. E não é exagero.

Quando vivia no Brasil, a família de um amigo (que hoje mora nos Estados Unidos) tinha uma transportadora com cinco caminhões. Sempre que se tratava de uma carga valiosa, quem fazia o transporte era o pai, o dono da empresa. Ele tinha esse cuidado para zelar pelo material do cliente e garantir que o produto caro chegaria ao seu destino conforme o esperado, sem danos. Até que, um dia, ele foi roubado e sequestrado. A quadrilha pediu R$ 50 mil, e a carga era de televisores. Ele ficou quatro dias em cativeiro e não havia possibilidade de pagar pelo valor exigido. A família não avisou a polícia e as negociações baixaram o resgate para R$ 10 mil. A quantia foi paga, mas o pai foi encontrado morto – ele havia falecido muito antes da entrega do dinheiro.

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Ainda me questiono como as pessoas têm coragem de comprar esses produtos. O detergente mais barato, o salame, o sabão em pó vendidos na Feira de Acari custaram a vida de alguém. Além disso, deixaram o seguro mais caro, impactando na economia como um todo. Quantas vezes subiu o seguro do seu carro? Todos reclamam, mas, na hora de comprar uma peça, muitos não abrem a mão de ir a um desmanche. É essa consciência que precisa mudar. Quando isso acontecer, o país muda de patamar.

Quem compra produto pirata ou fruto de roubo de carga não faz ideia do prejuízo que causa para o país, além da energia negativa que vem de carona. O brasileiro precisa parar de aceitar migalhas dos outros e mudar a condição de vida, adquirindo itens que de fato tenham qualidade e sejam duráveis. Comprar itens de péssima qualidade ou por preços até 70% menores que os praticados pelas lojas tradicionais jamais pode ser um bom negócio.

Daniel Toledo, advogado, especialista em International Business and Global Law e doutor em Direito Constitucional, é sócio fundador da Loyalty Miami.
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