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Felipe Lima

Neste domingo de Páscoa, Joseph Ratzinger, o papa emérito Bento XVI, completa 90 anos. O filho mais famoso da Baviera desde o rei Ludwig II (aquele que mandou construir o castelo de Neuschwanstein) deu ao mundo e à Igreja inúmeras contribuições teológicas, das quais destaco dez.

Aprendemos, com Ratzinger, que a Igreja não é uma loja de armarinhos mal gerenciada tentando arrumar mais clientes. Que, desde o seu começo, o cristianismo sempre se entendeu com uma “religião do Logos”, uma religião de acordo com a razão. Que a Última Ceia não foi uma dessas refeições que Jesus teve com “publicanos e pecadores”. Que os santos foram todos pessoas cheias de imaginação, não burocratas. E que a única apologia realmente efetiva do cristianismo se resume aos santos que a Igreja produziu e à arte que surgiu em seu seio – e um teólogo que não ama a arte, a poesia, a música e natureza pode ser perigoso.

A verdade também foi uma grande preocupação sua. Ratzinger ensinou que a verdade não é determinada pela opinião da maioria; que o Estado não é, em si mesmo, fonte de verdade ou moralidade; e que a ausência da verdade é a maior doença de nossa época.

Nesta época de relativismo cultural, a verdade é vista como um conceito antiquado e até opressivo

Outro tema que o motivou foi o da consciência. Segundo Ratzinger, é inquestionável que se deve sempre seguir os ditames da consciência, ou pelo menos não agir contra eles. Mas isso é bem diferente de considerar que a avaliação da consciência (ou o que se acredita ser essa avaliação) está sempre correta – se fosse assim, isso significaria que não há verdade, pelo menos em assuntos de moral e religião, que são os fundamentos da nossa própria existência.

Por que destacar essas dez contribuições? Porque, nesta época de relativismo cultural, a verdade é vista como um conceito antiquado e até opressivo. Da mesma forma, a bondade não é mais uma propriedade objetiva do caráter e das ações humanas. A bondade virou sinônimo de “politicamente correto”. No mundo artístico, a vulgaridade é mais prestigiada que a beleza. A vulgaridade é vista como criativa; a beleza aborrece, é “burguesa”.

Essa transformação nos valores foi o projeto de Friedrich Nietzsche. No século passado, ela foi assumida pela geração de intelectuais marxistas europeus dos anos 60, que viram nela um modo mais atraente de dar sentido à própria existência, em vez de ficarem lutando por melhorias nas condições de vida da classe trabalhadora. Para entender a situação da Igreja nos países outrora cristãos, é preciso conhecer esse projeto nietzschiano e sua adoção pelos intelectuais da Nova Esquerda de 1968.

Bispos e padres educados nas faculdades católicas de Teologia, em vez do ambiente das grandes universidades seculares, quase nunca entendem a guerra no meio da qual se encontram. Mas Ratzinger/Bento não apenas conhece a guerra, ele se formou nesse caldeirão. Seus escritos são a melhor formulação de uma estratégia para defender o humanismo da Encarnação nesses tempos de niilismo.

Quando uma nova geração surgir, em rebelião aberta contra a engenharia social da era atual e desejando uma ecologia humana que respeita tanto Deus quanto a natureza, a obra de Joseph Ratzinger será o “tesouro proibido” que dará a essa juventude criativa e rebelde o acesso ao capital cultural de séculos de cristianismo.

Tracey Rowland, professora adjunta do Instituto João Paulo II para o Matrimônio e a Família, em Melbourne (Austrália), é autora de A fé de Ratzinger e membro da Comissão Teológica Internacional. Tradução: Marcio Antonio Campos.
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