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A comparação da Constituição com um contrato parece clichê, mas é bastante útil para explicar algumas questões. Por exemplo, o pacto federativo, a relação entre a União, os estados e os municípios, pautada pelo respeito à autonomia de cada um em suas próprias esferas.

O próprio nome faz remissão ao conceito de acordo. Nesse pacto, escrito na Constituição, há a estipulação de como cada ente vai se manter – isto é, a disposição sobre sua autonomia financeira. Como não existe dinheiro público, mas dinheiro de impostos, a Constituição estabelece como este dinheiro será repartido entre os entes: há os impostos próprios de cada um (o Imposto de Renda é federal; o ICMS é estadual; o ISS é municipal), mas há também as parcelas de tributos de um ente que pertencem a outro.

Por exemplo, 25% do ICMS dos estados não é deles: pertence aos municípios. E nos tributos federais, como o Imposto de Renda e o IPI, 24,5% pertencem aos municípios, compondo o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – há também o dos estados, o FPE. No Brasil, a maior parte dos municípios depende quase que integralmente do FPM.

O STF consagrou o centralismo da União e comprovou que o federalismo brasileiro é uma farsa

O balanço justo entre competências e limitações

Entender em sentido contrário ao adotado pelo Supremo ou limita indevidamente a competência tributária ou cria um dever de compensação não previsto na Constituição

Leia o artigo de Ayrton Ruy Giublin Neto, professor de Direito Tributário da Universidade Positivo

Dias atrás, o STF decidiu a seguinte questão: a União pode conceder isenções e benefícios fiscais sobre a parcela dos tributos federais que pertence aos municípios pelo FPM? Os municípios, há muitos anos, vêm questionando o fato de que o governo federal concede isenções desastrosas, que acabam por reduzir também as suas parcelas próprias e prejudicam suas finanças.

O Supremo afirmou que a União não podia repassar aos municípios o que ela não tinha arrecadado. Mas esse é um desvio da questão real. O único que denunciou o embuste foi o ministro Luiz Fux, seguido nisso por Dias Toffoli: “uma coisa é não arrecadar porque não arrecadou, outra coisa é não arrecadar porque tem o poder de dispor sobre a arrecadação”, disse o ministro.

De fato, se a União possui o poder supremo de dispor sobre como arrecada – inclusive sobre a parte que, pelo “contrato”, pertence aos municípios –, então, na prática, ela tem o poder para diminuir as receitas municipais. A questão não é se a União está arrecadando ou não, mas se ela pode decidir, sozinha, sobre o que vai arrecadar, interferindo também no que não é dela.

Curiosamente, anos atrás o STF decidira a mesma questão quanto aos estados e, surpresa!, afirmara que os estados não podiam conceder isenções sobre a parcela de 25% do ICMS que pertence aos municípios. Para os estados, uma regra; para a União, outra.

O contorcionismo do STF para salvar a União de uma dívida astronômica com os municípios ficou bem evidente quando, modificando o que estava realmente sob julgamento, os ministros começaram a discutir se a União tem o poder de isentar. Era um debate sobre o “sexo dos anjos”. Ninguém duvida – e isso nunca foi questionado – que a União (e qualquer dos outros entes) tem o poder de isentar. O que estava sob julgamento era outra coisa: a União pode isentar do que não é seu? Sobre parcela que o “contrato” definiu pertencer aos municípios? É possível fazer cortesia com o chapéu alheio?

Derrota para os municípios e derrota da federação. O STF consagrou o centralismo da União e, ao consignar uma regra diversa da que estabelecera para os estados, apenas comprovou que o federalismo brasileiro é uma farsa: para os entes maiores e mais poderosos, mão na cabeça; para os menores, o sufoco.

Taiguara Fernandes de Sousa é advogado e jornalista.
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