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 | Ricardo Stuckert/Instituto Lula
| Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Já consta, no anedotário político, a afirmação de que nesta eleição, além das fake news, há a “candidatura fake”. O leitor mais informado sabe, certamente, não só pelo título deste artigo, que se trata da candidatura de Lula, preso e condenado em segunda instância e, por isso, inelegível pela Lei da Ficha Limpa.

O PT buscou e buscará, até o último minuto, manter Lula em evidência. O partido tornou-se um ser desfigurado que, no seu âmago, tem Lula como seu principal e único líder. O partido que nasceu objetivando colocar-se contra a cultura política autoritária brasileira rendeu-se às práticas que sempre condenou: messianismo, paternalismo, corrupção, patrimonialismo e clientelismo. Tais elementos estão quase sempre dispersos em todos os partidos; o problema, aqui, é a desconexão entre o discurso que o PT sempre divulgou e sua prática.

Cheguei, numa oportunidade, a asseverar que, de tudo, a pior herança petista – sua herança maldita – foi solapar a lógica, a coerência mais comezinha. Os “outros”, em sua fábrica de narrativas, sempre foram inimigos e suas práticas condenáveis, mas “nós”, os éticos, somos, geralmente, perseguidos por um complô das elites, da mídia, do Judiciário etc. À luz da racionalidade, tais afirmações não se sustentam em argumentos ou, como dizia Weber, numa “ética da responsabilidade”, sobrando, abundantemente, uma retórica alicerçada na “ética da convicção”.

O PT tornou-se um ser desfigurado que, no seu âmago, tem Lula como seu principal e único líder

Desta forma, a estratégia do PT de registrar a candidatura de Lula não é surpresa para os que acompanham a trajetória do partido que, vale sempre ressaltar, deu, sim, sua contribuição ao país na luta pela redemocratização, na melhor distribuição de renda entre os mais pobres e no aumento da classe média. Lula, ungido supremo líder, não permitiu, ao longo do tempo, que nenhuma liderança despontasse no PT. Particularmente, tinha a crença de que, com Lula preso, outras lideranças pudessem conduzir uma autocrítica e refundar o PT. Até o momento, ou essa liderança não surgiu, ou surgiu e não quer realizar tal tarefa, ou surgiu e quer fazê-lo, mas não tem condições objetivas e força para essa empreitada. Se há os que defendem, na perspectiva política, que deixar Lula candidato até o momento foi acertado e que não havia outra alternativa, há, também, os que consideram que essa opção é capaz de esgarçar ainda mais a trama de nossa democracia, de desrespeitar e colocar em xeque as instituições, bem como a própria estrutura do Estado Democrático de Direito.

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Em alguns dias haverá, provavelmente, a impugnação da candidatura de Lula. Fernando Haddad será o cabeça de chapa, tendo como vice Manuela D’Ávila. É sabido que Lula tem condições políticas de transferir votos para o seu escolhido e, especialmente, os votos do Nordeste têm levado os candidatos do PT ao segundo turno das eleições presidenciais. Embora muitos analistas apostem na probabilidade de um segundo turno entre PT e PSDB, o elemento imponderável neste pleito tem sido Jair Bolsonaro. O pouco tempo de tevê, os escassos recursos financeiros e a falta de apoio político serão impeditivos para que o capitão avance para o segundo turno, ou sua retórica explosiva e seus eleitores e seguidores nas redes sociais conseguirão “bombar” (sem trocadilho) o seu candidato? Ainda é cedo para responder.

No dia do registro da candidatura de Lula houve discussões, manifestações e alguns poucos enfrentamentos. Tudo, até aqui, é parte das cenas já projetadas pelas lideranças partidárias. Elas só não podem desprezar que esse filme – escolha o leitor o gênero – tem, intencionalmente ou não, jogado muita, muita água no moinho de Bolsonaro. Escolhas serão feitas e as urnas deverão ser respeitadas. Aguardemos.

Rodrigo Augusto Prando, bacharel e licenciado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia, é cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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