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Opinião do dia 1

Orientação profissional: um compromisso coletivo

Se, por um lado, o ato de escolher uma profissão é essencialmente solitário, pois caberá a cada um decidir o caminho a ser seguido, por outro, não resta dúvida de que tal decisão não se faz por si só, sendo afetada, direta ou indiretamente, pela ação dos membros de uma dada comunidade. Daí a importância de resgatar a responsabilidade coletiva quanto à problemática da escolha profissional.

Em que pese a especificidade da formação do orientador profissional no imaginário daquele que escolhe, qualquer pessoa inserida no mundo do trabalho, em certa medida, exerce essa função, ainda que não a reconheça como tal. Assim, pais, mães, professores, políticos, profissionais da mídia, jogadores de futebol, artistas constituem-se como modelos (ou antimodelos) profissionais: quer "palpitando" diretamente na escolha, quer passando valores e princípios morais ou projetando imagens de sucesso e de fracasso, quer constituindo a identidade daquele que escolhe. Daí sua enorme responsabilidade!

Em nossa experiência, temos constatado o quão pouco os diferentes segmentos sociais têm tomado também para si o compromisso de auxiliar os jovens na construção da identidade profissional. As instituições educativas, por exemplo. À parte, a preocupante escassez de serviços de orientação profissional ofertados nas escolas, poder-se-ia perguntar: será que os educadores têm se dado conta do quanto seus discursos sobre a vida, a profissão e, sobretudo, sobre os seus alunos produzem outros discursos – os dos alunos sobre a vida, as profissões e sobre si mesmos? Frente à imposição de preparar – cada vez mais cedo – para o vestibular, será que tem sobrado algum espaço, em sala de aula, para se falar da vida, de escolhas e de projetos, de sonhos e de receios ou, "simplesmente", do que é ser jovem ou adulto no mundo de hoje?

Junto à família, a escola parece-nos um lugar privilegiado para tais discussões. Lado a lado à transmissão e à sistematização de saberes científicos, ela deveria possibilitar a produção de um outro tipo de saber: o saber de si, do mundo e de seu ser/estar neste mundo. Deste modo, poder-se-ia dizer que a escola estaria cumprindo seu objetivo de preparar para a vida, na própria vida cotidiana do aluno.

Mas... o que isto tem a ver com a orientação profissional desenvolvida por especialistas?

Historicamente, a orientação profissional surge como prática a desvelar vocações inatas, através dos famosos testes de aptidão. Subjacente a essa idéia, sustentava-se um princípio: o de que, ao lugar certo, corresponderia o homem certo. Assim fosse! Tudo seria mais simples. Não existiriam conflitos e, como num passe de mágica, a profissão ideal saltaria da cartola do orientador, aliviando angústias e dirimindo dúvidas...

Se pensarmos, porém, a escolha de uma profissão inserida no contexto da construção de um projeto de vida e, se considerarmos a era de incertezas em que vivemos, em vez de nos perguntarmos "o que quero fazer?", parece-nos mais produtivo operar com as seguintes questões: "quem quero me tornar no futuro?" e "que futuro é este em que me vejo inserido?"

Nessa perspectiva, o foco da orientação redireciona-se. O perfil profissional e a realidade socioocupacional sendo assumidos em sua mutabilidade, assim como as aptidões e os interesses vislumbrados como potencialidades e, não, como atributos inatos e acabados. A escolha profissional sendo vista como uma aprendizagem que leva em conta a personalidade daquele que escolhe, sua disponibilidade em elaborar conflitos e ansiedades em relação ao futuro e àquilo de si e das coisas que gosta e que deixa para trás, ao optar por esta e não por aquela ocupação.

Assim, mais do que aplicar testes vocacionais, atualmente, os orientadores profissionais têm voltado seu trabalho para o conhecimento – de si, do outro, dos cursos e das ocupações, das relações de trabalho, do mundo – buscando instrumentalizar seus orientandos para a construção de uma escolha e de uma identidade profissional que considere as motivações e os ideais pessoais, o projeto de vida e a antecipação dos cenários sociais futuros. Nesse enfoque, o resultado esperado não será, necessariamente, o da indicação de uma profissão, mas, sobretudo, o da percepção de si como alguém que pode fazer uma escolha. Para tanto, deverá exercitar – e muito! – a auto-observação, a tomada de decisões e, quando numa orientação em grupo, o compartilhar de experiências, a escuta do outro, a tolerância às diferenças...

Nesse sentido, a orientação profissional pode ser vista como um trabalho profilático em que, acima de tudo, o que está em jogo é a saúde mental (dos que escolhem e dos que os acompanham nesse momento crítico). Nesse sentido também o compartilhar dessa tarefa com o coletivo parece-nos possível e, mais do que isso, necessário.

Luciana Albanese Valore é professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná.

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