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| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Existe em nosso país um extenso e salutar debate sobre a previdência social. Questões relevantes têm sido levantadas, mas outras improdutivas surgem para poluir o debate. Tome-se o caso da discussão em torno da existência de um déficit no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que abrange os empregados da iniciativa privada. De um lado, há os que defendem essa ideia e a necessidade de ajustes pela simples acepção de desequilíbrio que o termo carrega. Do outro, os que sustentam a tese do superávit e concluem que não há razões para preocupação com as contas públicas.

Nem o déficit é um problema per se, nem o superávit é razão pra tranquilidade.

A previdência social se insere no conjunto de ações do poder público voltadas para assegurar direitos básicos ao cidadão: a seguridade social, que inclui também os direitos à saúde e à assistência social. Geralmente, esse modelo de previdência é implementado por meio de um sistema de repartição simples, na forma de um pacto intergeracional em que cada geração aceita custear a aposentadoria da anterior confiando no mesmo comportamento das gerações futuras.

Se considerarmos que os benefícios previdenciários devem ser financiados apenas pelos recursos provenientes da arrecadação direta paga por empregados e empregadores, constataremos um déficit no RGPS equivalente a 1,45% do PIB em 2015, com expectativa de ampliação para algo em torno de 2,4% do PIB em 2016, dadas as condições atuais da economia brasileira, com a acentuação do desemprego e a queda no produto.

Nem o déficit é um problema per se, nem o superávit é razão pra tranquilidade

Nossa Constituição, porém, define um conjunto mais abrangente de fontes para o financiamento da seguridade social, que inclui as contribuições dos empregadores sobre faturamento e lucro líquido, dos importadores de bens e serviços e sobre a receita de concursos prognósticos, para mencionar algumas. Adicionalmente, a legislação prevê a utilização de recursos do orçamento fiscal da União para a cobertura de eventuais insuficiências.

É com base nesses tributos adicionais vinculados ao custeio da seguridade social que se tem argumentado a favor da tese do superávit, considerando-se que sua arrecadação total seria mais do que suficiente para cobrir o suposto déficit, além de arcar com as demais despesas com saúde e assistência social. Deve-se atentar, no entanto, que esse debate direciona o foco para aspectos meramente formais relativos às definições das rubricas tributárias nas fontes de arrecadação, sem atacar a essência do problema da previdência social no Brasil. Uma simples redefinição de alíquotas e realocação de tributos poderia desafiar alguns de seus principais argumentos. O debate produtivo, portanto, deve ser aquele que busca interpretar as contas públicas de uma maneira agregada, levando-se em conta todo o esforço de arrecadação por parte da sociedade e as prioridades nos gastos públicos.

No curto prazo, é preciso reconhecer que o Brasil tem uma carga tributária elevada comparativamente aos países com renda per capita semelhante, e que a Previdência Social consome quase 40% do orçamento do governo central, o que é muito em um país com enormes carências na prestação de serviços públicos. No longo prazo, a maior longevidade da população associada à redução nas taxas de natalidade observadas nos últimos anos terá o efeito de aumentar sobremaneira o esforço das gerações ativas para custear a aposentadoria da população idosa.

É natural que a sustentabilidade dos regimes de repartição simples dependa da realização de ajustes ao longo do tempo. Ao contrário da previdência privada, em que a remuneração na aposentadoria é definida individualmente com base nas contribuições acumuladas por cada beneficiário, os equilíbrios atuarial e financeiro da Previdência Social dependem diretamente do comportamento de variáveis demográficas e macroeconômicas específicas. Parâmetros e benefícios considerados aceitáveis em uma época podem se revelar insustentáveis em outro momento.

Assim, o debate relevante é aquele que reconhece que os gastos atuais com previdência são relativamente elevados, que a atual aposentadoria por tempo de contribuição não mais garante o equilíbrio atuarial do regime e que o aumento nas despesas previdenciárias deve ser custeado pelos diferentes segmentos da sociedade, cada qual em conformidade com sua condição financeira, preservando-se os princípios constitucionais da diversidade e da equidade que norteiam o custeio da seguridade social.

Frederico Pechir Gomes, economista, é professor de cursos de pós-graduação. Vinicius Ratton Brandi é doutor em Economia e professor de Finanças do Ibmec-DF.
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