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A democracia está em declínio. Após o otimismo e a abertura política dos anos 90 e início dos anos 2000, estamos presenciando reviravoltas, rupturas e uma repressão cada vez mais sufocante. Nos últimos anos, o mundo foi atingido por uma série de crises simultâneas, como guerra e violência, migração em massa, desgaste econômico e má gestão de capital, além de xenofobia em países democráticos. Esses acontecimentos preocupantes contribuíram para que a Freedom House documentasse dez anos de recessão da liberdade global.

A onda de retrocessos democráticos ocorreu quando Rússia, China e outras potências questionaram a ideia de democracia liberal em seus países e no exterior. A Rússia de Vladimir Putin anexou a Crimeia de forma ilegal, interveio na Síria apoiando o presidente Bashar al-Assad e impôs um controle mais rigoroso na liberdade de expressão e na sociedade civil dentro de suas fronteiras. Na China, Xi Jinping aumentou seu controle sobre o país intimidando a região do Mar do Sul da China e estendendo levemente seu poder global.

Além dessas duas grandes potências, o grupo militante do Estado Islâmico e outras organizações terroristas têm rapidamente se disseminado, com efeitos devastadores na África Ocidental, no Oriente Médio e no Sul da Ásia. Enquanto isso, como resposta ao colapso nos preços de energia e outras tendências, regimes autoritários passam a aplicar táticas mais diretas, como julgamentos de fachada, pena de morte, violência extralegal e controle militar direto.

Na Europa, o nacionalismo não liberal tem sido cada vez mais comum. Embora seja diretamente ligado à hostilidade contra imigrantes, esse ideal representa uma rejeição a um grande número de valores liberais e uma ameaça à solidariedade democrática perante a agressão por parte de potências autoritárias.

Na Europa, o nacionalismo não liberal tem sido cada vez mais comum

Por fim, as principais democracias têm demonstrado uma preocupante falta de autoconfiança e convicção em resposta a crises como a guerra na Síria, o fluxo de imigrantes em direção à Europa ou a deterioração precipitada da Venezuela.

As tendências globais, no entanto, não se movem totalmente contra o ideal democrático. O “socialismo bolivariano” da Venezuela está em retrocesso, mesmo que o país continue assolado pela crise econômica. Os escândalos de corrupção, que vão do Brasil à Croácia e à Guatemala, sugerem que líderes desonestos terão de responder por seus atos. A capacidade de Rússia, Arábia Saudita, Irã e outros petroestados de sustentar seus projetos autoritários foi colocada em xeque pelos baixos preços da commodity.

Mas o terrorismo, a ocupação unilateral de territórios e as massas de refugiados são lembretes claros da relação entre repressão política interna e anarquia internacional. Uma má administração na Síria e no Egito pode ter grandes consequências em Londres e Orlando. Diante disso, o que podemos fazer?

O declínio global no respeito pelos direitos políticos e civis reforça a necessidade de democracias europeias, asiáticas e americanas desenvolverem sua defesa da democracia e dos direitos humanos nas áreas em que são influentes. O apoio popular aos valores democráticos permanece forte em todas as regiões do mundo. Conforme Estados autoritários colaboram para retardar direitos humanos e políticos, as democracias precisam adotar estratégias mais ousadas e coerentes regional e globalmente.

Potências democráticas devem prestar atenção principalmente às ações de grandes Estados autoritários, como Rússia, China, Arábia Saudita e Irã, que buscam hegemonia e são abertamente hostis a mudanças democráticas. As democracias precisam se coordenar de forma mais próxima e adotar métodos mais eficientes de resposta a golpes e grandes abusos contra os direitos humanos. Potências regionais, como o Brasil, precisam assumir a liderança e responder de maneira firme contra retrocessos democráticos e violações grosseiras de direitos humanos em sua região. Sem esse tipo de liderança, a ação unilateral dificilmente bloqueará perpetradores ou causará mudanças reais.

O declínio da democracia não é inexorável, mas não pode ser parado por meio de complacência ou de olhos cegos.

Sarah Repucci é diretora sênior de Publicações Globais na Freedom House e pesquisadora parceira do Instituto Atuação, que realiza a 2ª Semana da Democracia entre 14 e 16 de setembro.
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