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Eça de Queiroz escreve que “é o comer que faz a fome”. Uma demanda crescente por alimentos, provocada pelo aumento populacional, melhoria da renda per capita mundial e pelas mudanças dos hábitos alimentadores põe em xeque a segurança alimentar global.

Novas tecnologias e técnicas são lançadas diariamente em todos os processos ligados à produção de alimentos. É a Agricultura 4.0 ou digital. Produzir mais e com qualidade superior tem sido um mandamento para todos os produtores. Sensores, diagnósticos, nano e biotecnologia criam sementes mais fortes e produtivas e alimentos a partir de células-tronco. Uma revolução que faz com que uma máquina aprenda com a outra e, juntas, tragam mais produtividade ao campo. Ano após ano, novas fronteiras agrícolas, novos maquinários e técnicas têm trazido recordes e mais recordes, mesmo com condições climáticas adversas. O homem parece conseguir dominar o campo e suas nuances como nunca.

Mas há algo que ainda incomoda muito e escancara a fragilidade do sistema e da mente humana. Mesmo em face a um desafio hercúleo de produzir 40% mais alimento que hoje, já em 2030, o mundo se depara com um desperdício que consome um terço de tudo que é produzido. 1,3 bilhão de toneladas de alimentos vão para o lixo por ano em todo o planeta, o suficiente para alimentar 11 milhões de pessoas.

Será que há exigência demais sobre a beleza e qualidade dos alimentos?

E o desperdício está em toda a cadeia. No Brasil, do total desperdiçado, 10% é perdido na hora da colheita, outros 50% no manuseio e transporte, outros 30% nas centrais de abastecimento e os restantes 10% nos mercados, pontos de venda e consumo. A famosa apalpada na fruta, as folhas não tão bonitas e a quantidade de comida a mais no prato que não é levada à boca.

Com tanto foco na cara e arriscada produção, por que há tanta dificuldade em se conter o desperdício? Será que há exigência demais sobre a beleza e qualidade dos alimentos e se esquece a vital utilidade dos mesmos? Por que é tão difícil implementar soluções legais de distribuição para tudo aquilo que não é valorizado nos mercados?

Leia também: Combater o desperdício de alimentos: um debate urgente (artigo de Alan Bojanic, publicado em 5 de maio de 2014)

Leia também: Desperdício e o “novo” modelo do sistema alimentar (artigo de Caroline Rosaneli, publicado em 21 de novembro de 2016)

O ser humano ingere alimentos primeiro para suprir as necessidades básicas, mas, feito isso, passa a valorizar o sabor e a variedade, depois a conveniência, os atributos para melhorar a forma física, para viver melhor ou mesmo por status em restaurantes sofisticados. É a pirâmide alimentar, abundante pelo acesso fácil, de certa maneira, aos alimentos. O acesso induz ao alimento cada vez mais bonito e perfeito. O preço que a humanidade está pagando por esta vaidade é justamente o de um terço de alimentos no lixo e 11 milhões que padecem na base da pirâmide, sem suprir as necessidades básicas.

Para assegurar a alimentação de 8 bilhões em 2020, 9,8 bilhões de pessoas em 2050 e 11,2 bilhões em 2100, produzir com novas técnicas provavelmente não será suficiente. Há a necessidade imediata de reduzir os desperdícios, melhorar os fluxos de distribuição e durabilidade dos alimentos. Sem isso, a humanidade entrará em conflito e voltará à base da pirâmide, no estágio de suprir as necessidades básicas.

Fica a reflexão!

Eduardo Müller Saboia é técnico e engenheiro industrial mecânico, pós-graduado em Gestão Industrial e Business Management e mestre em Administração Estratégica, trabalha na indústria de maquinários agrícolas e é professor de Agricultura 4.0 na pós-graduação da UFPR e do Instituto nomm.
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