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O relatório do Comitê de Inteligência do Senado dos Estados Unidos sobre as torturas realizadas pela CIA após os atentados de 11 de setembro de 2001 é o esforço mais expressivo das autoridades americanas em investigar as violações de direitos humanos cometidas no combate ao terrorismo. Esse importante passo inicial precisa ser levado adiante com processos judiciais contra os responsáveis por tais crimes.

O Senado identificou os métodos de tortura utilizados pela CIA contra suspeitos de terrorismo: afogamentos, agressões físicas, estupro e outros abusos sexuais, privação de sono, simulação de execuções, ameaças a parentes (incluindo crianças), exposição a temperaturas extremas, confinamento em caixas. O relatório concluiu que a tortura foi ineficaz para obter dados relevantes para a segurança nacional e que a CIA ocultou informações, destruiu provas e mentiu para autoridades e para a sociedade a respeito da abrangência de seu programa de interrogatórios – era mais amplo e violento do que a instituição admitia, e infringia leis americanas e internacionais.

O relatório foi aprovado por somente três votos, devido à oposição de muitos republicanos com relação ao seu conteúdo. A escala total das descobertas ainda não é conhecida – o texto completo tem 6 mil páginas, mas foi classificado como secreto e o Senado publicou apenas um sumário de menos de 10% disso, com as principais descobertas, fruto de cinco anos de investigações. É possível usar a Lei de Acesso à Informação dos Estados Unidos para demandar ao governo acesso à totalidade do relatório, ou ao menos a uma parte maior do texto.

O Senado analisou a atuação da CIA de 2001 a 2006, durante o governo de George W. Bush, que autorizou o que chamou de "técnicas avançadas de interrogatório" no combate ao terrorismo, aprovando práticas definidas como tortura no direito internacional – por exemplo, agressões físicas a suspeitos. Houve denúncias de graves violações de direitos humanos cometidas em prisões como Abu Ghraib, no Iraque ocupado; em Guantánamo; e numa rede de instalações secretas em países aliados dos Estados Unidos. Seguiram-se condenações internacionais na Corte Europeia de Direitos Humanos e críticas do Comitê da ONU contra a Tortura. No Judiciário americano, a Suprema Corte frisou que as pessoas presas em Guantánamo não podem ser torturadas, mas não lhes garantiu os direitos integrais dos prisioneiros de guerra, conforme estabelecido pelas Convenções de Genebra.

As diretrizes de interrogatório de Bush foram revogadas por seu sucessor, Barack Obama, mas ele não abriu nenhum tipo de processo judicial contra torturadores. Pelo contrário: o governo americano processou funcionários que denunciaram violações de direitos humanos pelo Estado, como o analista da CIA John Kiriakou, a soldado Chelsea Manning e o ex-técnico da agência de espionagem NSA Edward Snowden. Kiriakou e Manning foram condenados e estão presos; Snowden está exilado na Rússia.

O relatório do Senado reconhece que a tortura foi política pública, e não o resultado de ações individuais descontroladas. Mas não acusa ninguém pela tortura. Esse silêncio continua a pesar sobre os Estados Unidos, com risco de repetição dessas atrocidades.

Maurício Santoro é assessor de direitos humanos da Anistia Internacional no Brasil.

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