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Os juros e o crescimento da economia

Desde o Plano Real, que desnudou a falta de liquidez dos bancos brasileiros, as regulamentações no setor são benéficas às instituições financeiras em detrimento do cliente

 | Fernanda Carvalho/Fotos Públicas
(Foto: Fernanda Carvalho/Fotos Públicas)

Talvez seja herança da época da hiperinflação e ninguém fez nada. Talvez seja só a falta de concorrência. A verdade é que o Brasil tem hoje a maior taxa de juros de cheque especial e cartão de crédito do mundo. São 436% de juros anuais em média, contra 43,7% do Peru, o segundo colocado da América Latina. Em alguns casos nossos juros podem chegar a impressionantes 1.158% anuais. E não parece acompanhar a taxa básica da Selic. A verdade é que nada explica tamanho disparate.

Valores absurdos são praticados há muitas décadas. Se prestarmos atenção, desde o Plano Real, que desnudou a falta de liquidez dos bancos brasileiros, as regulamentações no setor são benéficas às instituições financeiras em detrimento do cliente. Coincidência ou não, até a eleição passada eram os bancos, as empreiteiras e os frigoríficos os maiores doadores de campanhas políticas no Brasil. A equação está cheia de interesses escusos, o que as delações premiadas da Lava Jato mostram com clareza.

Os juros embutem todas as imperfeições e as perversidades da economia brasileira, o chamado “custo Brasil”. Com o alto spread estabelecido pela banca internacional e a taxa Selic nas alturas, o consumidor paga caro para consumir. Mesmo reduzindo um pouco os porcentuais, os índices de endividamento no Paraná estão mais altos que a média nacional. Com eles, sobem também as taxas de inadimplência.

Pagamos mais impostos, recebendo pouco do Estado em contrapartida. E isso faz subir os juros

Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o número de famílias endividadas passou, de setembro a outubro, de 89,1% para 88,1%. Em outubro de 2015, essa porcentagem era mais baixa, representando 85,7% das famílias paranaenses. Já o índice de endividamento nacional ficou em 57,7%. Segundo notícia divulgada pela Fecomércio Paraná, entre setembro e outubro o número de famílias com contas em atraso também caiu (de 27,1% para 25%), assim como o daquelas que não terão condições de pagar suas dívidas (de 10,7% para 9,9%). O índice de inadimplência (contas em atraso há mais de 90 dias) passou de 49,2% em setembro para 47,7% em outubro.

A inadimplência, portanto, é outro fator a alavancar os juros dos cartões. O risco gerado pelos eventuais inadimplentes é diluído pelas operadoras entre os bons pagadores, que, assim, pagam mais porque outros não pagam.

O custo Brasil embute ainda outras deficiências da nossa estrutura econômica. Um levantamento da Grant Thornton colocou nosso país como o segundo mais burocrata do mundo, perdendo apenas para a Polônia. O governo Trump terá 4 mil cargos de confiança para preencher. O governo brasileiro tem mais de 11 mil já preenchidos.

Alguns estudiosos apontam que o “jeitinho” brasileiro pode ter sido criado para ser uma arma contra a burocracia. Mas “jeitinho” significa corrupção e ela impacta os juros de maneira exponencial. Um pequeno servidor que pede um “beiço” em um serviço realizado ao Estado gera um porcentual de sobrepreço que ultrapassa diversas vezes o valor da propina recebida. O fornecedor vai considerar esta variável como parte do preço a ser pago pela administração pública. Considerando que aquela “beirada” solicitada pelo quarto escalão será multiplicada por mil, acrescida das que serão requisitadas pelos escalões superiores, temos um país tido como o quarto mais corrupto do mundo.

Um último aspecto envolve os impostos. Um estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que o Brasil é que oferece o pior retorno em benefícios à população dos valores arrecadados por meio dos impostos. Pagamos mais impostos, recebendo pouco do Estado em contrapartida, o que é iníquo para todos os cidadãos. E isso faz subir os juros, porque é preciso buscar na iniciativa privada o que o Estado não faz, por sua ineficiência. Quanto maior a procura, mais altos ficam os preços. E maiores os juros.

É necessário que se resolvam questões estruturais sobre as quais a sociedade brasileira foi construída. Cortar burocracia, cortar impostos, reduzir a corrupção já são bons caminhos. Só desta maneira poderemos sonhar em receber, algum dia, uma fatura de cartão de crédito mais barata.

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