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A morte há muito tempo deixou de ser um fenômeno predominantemente biológico e passou a ser um fenômeno predominantemente moral. Discute-se muito mais hoje sobre quais seriam os direitos do paciente terminal, sobre o que seria uma boa morte, sobre a interrupção de tratamentos inúteis, ou mesmo sobre ortotanásia, distanásia e eutanásia do que sobre o fenômeno morte e suas consequências biológicas.

Esse interesse mudou exatamente porque ela passou a acontecer com mais frequência dentro dos hospitais, longe do ambiente familiar e com uma instrumentalização muito maior que a que estava presente no início do século passado. Se naquele tempo o temor era de uma morte precoce, por doenças infecciosas, hoje o que preocupa é ter de passar por um período prolongado de sofrimento até o desfecho final.

É preciso perguntar aos pacientes o que eles realmente desejam saber sobre sua doença

O professor Umberto Veronesi afirma, em sua obra sobre o direito de morrer, que “o sofrimento sempre foi considerado por muitos séculos como uma força purificadora, mas o mal induz o doente a se esquecer da necessidade da busca da divindade. E a dor o afasta de Deus”. A dor e o sofrimento não são, portanto, um caminho de salvação, mas sim de superação e crescimento humanos.

Contudo, diversos fatores afetam o relacionamento médico-paciente na fase final da vida. Infelizmente alguns mitos podem tornar a morte ainda mais difícil e nem sempre passível de superação. Não é raro, por exemplo, que se diga que as pessoas não querem falar sobre a morte ou sobre o tempo que elas têm de vida. Na realidade é justamente o contrário. A maioria delas quer, sim, e esta “conspiração do silêncio” tira do paciente terminal a oportunidade de resolver muitos dos seus problemas ainda em vida. Isso gera ainda mais angústia. Assim, é preciso perguntar aos pacientes o que eles realmente desejam saber sobre sua doença.

Outro mito é de que, se os pacientes souberem da doença, podem ficar deprimidos. Contudo, a depressão é duas a três vezes mais frequente em quem não consegue discutir seus problemas com seus familiares e, dessa forma, também não consegue planejar seu futuro. Claro que é necessário individualizar caso a caso, pois existem pacientes que já têm depressão antes do diagnóstico e precisam de atenção especial.

Duas outras situações também são frequentes. Uma delas é achar que, se o paciente vai para os cuidados paliativos, ele vai morrer mais cedo. É justamente o contrário – os pacientes sob cuidados paliativos vivem mais e melhor. O outro mito é de que nós, médicos, realmente não conseguimos fazer previsões realísticas sobre o prognóstico. Pode-se, sim, prever a gravidade de uma doença, ou mesmo saber se o paciente está em fase terminal com razoável precisão. Por outro lado, quando os médicos superestimam o prognóstico do paciente, é mais frequente que eles acabem fazendo quimioterapia ou sigam para unidades de terapia intensiva nas últimas semanas de vida. Ambos são inadequados. Na fase final, o foco do tratamento deixa de ser a cura da doença e passa a ser a qualidade da vida no tempo que resta ao paciente.

Todas essas mudanças culturais não são fáceis de implementar. Elas requerem um amadurecimento e um preparo maior dos médicos e da sociedade como um todo em aceitar os limites da medicina. E mais ainda: aceitar que a morte nem sempre significa uma derrota.

Cicero Urban, médico oncologista e mastologista e vice-presidente do Instituto Ciência e Fé, em Curitiba, é professor de Bioética e de Metodologia Científica na Universidade Positivo.
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