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| Foto: Nicholas Kamm/AFP

Meus caros conterrâneos norte-americanos: tenho a honra de anunciar hoje a formação de um novo partido político, que chamarei de “Republicano”.

Estão perdoados se pensarem, “Peraí, mas esse aí a gente já tem”, mas, por favor. Sob Donald Trump, o Partido Republicano, pelo menos como era conhecido, se tornou uma entidade fantástica, uma criatura não plena, ao contrário do Abominável Homem das Neves, do Chupacabra ou mesmo do mítico Squonk, da Pensilvânia central, ser imaginário que passa seus dias no meio da floresta, chorando de desespero por causa da própria feiura.

“Não há Partido Republicano, só o Partido de Trump. O Republicano está tirando uma soneca em algum lugar”, disse o ex-presidente da Câmara, John Boehner, em abril.

Enquanto ele cochila, a coisa que surgiu em seu lugar tem uma semelhança assustadora com um outro partido da história norte-americana, que todo mundo achava já ter desaparecido para sempre. Voltarei a ele daqui a pouco.

Enquanto isso, quero apresentar a plataforma do meu novo Partido Republicano, que consiste de tudo aquilo em que o Partido Republicano já acreditou.

Para começar, o meu partido apoia os direitos civis. Foi Ulysses S. Grant, o segundo presidente republicano, que brigou para que houvesse uma lei que os protegesse, sancionando-a em 1875, garantindo aos afro-americanos tratamento igual em acomodações e transporte públicos, e proibindo sua exclusão de participação em júris. No tempo livre, Grant também acabou com uma das primeiras versões do Ku Klux Klan.

O Partido de Trump decidiu que, no frigir dos ovos, tem mais confiança no ditador russo do que nas agências de espionagem dos EUA

Já o Partido de Trump olha para os supremacistas e neonazistas e declara que são “gente muito boa”.

O meu novo Partido Republicano acredita em alguma forma de limitação de gastos federais, incluindo uma redução de déficit.

O Partido de Trump criou um orçamento projetado pela primeira vez para gerar déficits regulares de mais de US$ 1 trilhão, pelo menos até onde se calcula.

Meu partido mantém uma resistência firme à Rússia. Como na plataforma do Partido Republicano de 1952, ele se opõe à interferência daquele país nas questões norte-americanas, em particular “à iniciativa militar e de doutrinação que, se não forem instadas, certamente vão nos destruir”.

O Partido de Trump decidiu que, no frigir dos ovos, tem mais confiança no ditador russo do que nas agências de espionagem dos EUA.

O meu partido apoia a assistência médica universal nos moldes daquela criada pelo candidato republicano de 2012, Mitt Romney, quando ainda era governador de Massachusetts.

Bruno Garschagen: A direita, os intelectuais e os erros de análise (publicado em 23 de julho de 2018)

Leia também: A Suprema Corte e a chance de Trump (editorial de 4 de julho de 2018)

O Partido de Trump aposta na destruição da Lei de Proteção e Cuidado ao Paciente, que permitiu acesso aos serviços de saúde a vinte milhões de pessoas desde 2010, para substituí-lo por... nada.

O meu partido valoriza a proteção do meio ambiente, como Theodore Roosevelt (pai do nosso sistema nacional de parques), como Richard Nixon (fundador da Agência de Proteção Ambiental), como uma geração inteira de líderes republicanos, de Ronald Reagan a George W. Bush, que apoiou a política de “cap and trade” como meio de estímulo comercial de reduzir as emissões de carbono.

O diretor da EPA nomeado pelo Partido de Trump é contra o estudo do clima e brigou para fazer o contribuinte pagar pelas usinas de carvão, poluidoras e ineficientes.

O meu partido defende a educação sexual e a prevenção da Aids, como fez George W. Bush, em 2003, ao criar o Plano Emergencial, salvando com ele milhões de vidas na África.

O orçamento do Partido de Trump para este ano financia apenas uma campanha de abstinência e corta programas eficazes, ao mesmo tempo em que dispõe de propina para comprar o silêncio de sua ex-amante, uma atriz pornô.

A sorte é que há muita gente bem posicionada para tomar alguma atitude

A plataforma do meu novo partido abordará outros temas; esse é só o início. Por enquanto, quero bolar um slogan. No momento, estou inclinada a usar “Uma nação mais gentil e generosa”, frase que George H.W. Bush usou no discurso de aceitação da indicação pela Convenção Nacional Republicana, em 1988, mas estou aberta a sugestões.

Há, porém, um problema: como então chamar o partido hoje liderado por Trump? Sugiro nomeá-lo “Novo Partido Não-Sabe-De-Nada”, dada sua semelhança com a entidade cujo interesse básico, em 1852, era o ódio aos imigrantes. Na época, seus membros eram chamados de “know-nothings” (”não sabe de nada”) porque, durante um tempo, tiveram que negar o conhecimento de sua existência. De certa forma, é muito apropriado, já que muitos defensores/integrantes trumpianos negam que o presidente tenha mudado o partido, apesar de todas as evidências ao contrário.

Abraham Lincoln, o primeiro presidente republicano, tinha opinião própria sobre os Não-Sabe-De-Nada. “Se eles ganharem, prefiro emigrar para algum país que pelo menos não finja prezar pela liberdade – como a Rússia, por exemplo, onde o despotismo é consumido puro, sem a mistura da hipocrisia”, escreveu ele.

Claro está que sou a salvadora mais improvável do Partido Republicano, mesmo porque, verdade seja dita, nunca concordei muito com suas políticas – mas pelo menos respeitava sua posição nos temas mais importantes, ainda que discordasse com a maneira como os defendia. A sorte é que há muita gente bem posicionada para tomar alguma atitude – políticos que, ao contrário de Trump, há décadas promovem os princípios do Partido Republicano como todos nós o conhecíamos.

O Partido Republicano pode ser deposto pelo Partido Republicano e ser substituído pelo... Partido Republicano, mas, para isso, é necessário que as pessoas que John Boehner disse estarem “cochilando em algum lugar” encontrem seus princípios, sua coragem e acordem.

Jennifer Finney Boylan é professora de Inglês da Barnard College, autora de “Long Black Veil”, e contribui com a coluna de opinião.
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