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Os reflexos na economia brasileira do shutdown americano

Placa do lado de fora do Capitólio dos EUA alerta os visitantes sobre a paralisação do governo em Washington, D.C., EUA, em 1º de outubro de 2025. (Foto: Jim Lo Scalzo/EFE/EPA)

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O governo dos Estados Unidos vive mais uma crise orçamentária. O impasse entre democratas e republicanos no Congresso impediu a aprovação do orçamento para o novo ano fiscal, iniciando um “shutdown” – a paralisação parcial das atividades do governo federal. Embora esse tipo de situação seja recorrente na política americana, seus efeitos ultrapassam as fronteiras do país e merecem atenção no Brasil.

Nos Estados Unidos, o funcionamento da máquina pública depende da aprovação anual do orçamento pelo Congresso. Sem essa autorização legal, há o shutdown e diversos órgãos federais ficam sem recursos para operar. Parques, museus e agências públicas suspendem atividades, milhares de servidores são colocados em licença não remunerada e apenas serviços essenciais, como segurança nacional e saúde emergencial, permanecem ativos.

A crise em Washington é, portanto, mais do que um episódio interno de disputa partidária. Ela evidencia a fragilidade das democracias diante de polarizações extremas e lembra ao mundo que o bom funcionamento das instituições fiscais é condição essencial para a estabilidade econômica

O impacto direto do shutdown sobre a economia americana é imediato. A paralisação reduz o consumo e a confiança das famílias, adia investimentos e compromete a execução de políticas públicas. Além disso, transmite ao mercado global um sinal de instabilidade política justamente em um momento em que a economia mundial busca equilíbrio após um ciclo de juros elevados e desaceleração do crescimento.

Para o Brasil, o shutdown norte-americano traz efeitos indiretos, mas relevantes. O primeiro é o canal financeiro. Em períodos de incerteza nos Estados Unidos, investidores tendem a buscar ativos considerados mais seguros, como os títulos do Tesouro americano. Isso reduz o apetite por risco e pode gerar saída de capital de países emergentes, pressionando o câmbio e elevando a cotação do dólar frente ao real.

O segundo é o canal comercial. Caso o impasse se prolongue e afete o ritmo da economia americana, há risco de redução na demanda por produtos importados. Os Estados Unidos são um dos principais destinos das exportações brasileiras de manufaturados e produtos de maior valor agregado. Uma desaceleração lá tende a diminuir o volume e o preço desses embarques.

O terceiro é o canal de confiança. A percepção de desordem fiscal na maior economia do planeta pode afetar o sentimento dos investidores globais. Em um cenário já marcado por tensões geopolíticas e transição tecnológica, a instabilidade americana pode reforçar a volatilidade dos mercados e elevar o prêmio de risco exigido dos países emergentes – o que encarece o crédito e dificulta o financiamento de empresas e governos.

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Diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil não corre o risco de enfrentar um shutdown semelhante. A Constituição Federal garante a execução provisória do orçamento, permitindo ao governo gastar mensalmente até um doze avos do total previsto enquanto o Congresso não aprova a lei orçamentária. Assim, mesmo diante de impasses políticos, o funcionamento do Estado é preservado.

Ainda assim, o país não está imune aos efeitos externos. Um prolongamento do shutdown pode fortalecer o dólar, pressionar a inflação importada e forçar o Banco Central brasileiro a manter uma política monetária mais cautelosa. Em um momento de transição econômica e tentativa de retomada do crescimento, a instabilidade americana é um fator adicional de incerteza.

A crise em Washington é, portanto, mais do que um episódio interno de disputa partidária. Ela evidencia a fragilidade das democracias diante de polarizações extremas e lembra ao mundo que o bom funcionamento das instituições fiscais é condição essencial para a estabilidade econômica global. Em tempos de interdependência financeira, um impasse político a milhares de quilômetros de Brasília pode, sim, chegar ao bolso do brasileiro, seja no câmbio, nos preços ou nas expectativas de crescimento.

Hugo Garbe é professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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